Translate

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

DE PALMA

O documentário DE PALMA, sobre o já consagrado diretor de cinema Brian de Palma, que está nos cinemas é muito bom e um prato cheio para os cinéfilos. Temos a sensação de estarmos conversando com o famoso diretor em sua sala de estar. Os diretores Noah Baumbach e Jake Paltrow não inventam a roda, mas também não complicam. Filmaram horas e horas de depoimento do "biografado" e fizeram uma ótima edição intercalando cenas dos filmes. O documentário perpassa toda a filmografia do grande diretor de cinema norte-americano, entre os quais: Carrie, a estranha, Scarface, Dublê de corpo, Vestida para matar, Pecados de guerra, Os intocáveis, Missão impossível e Femme Fatale.

De Palma conta como foi o começo da carreira: os primeiros filmes amadores, as experiências da juventude, as dificuldades em obter um filme com um orçamento maior etc. Também conta sobre as concessões que fez para Hollywood e as que não fez. Obviamente, as primeiras são em maior quantidade. É interessante ouvi-lo sobre a importância tremenda da trilha sonora (principalmente para filmes de suspense) e da escolha certa que fez em alguns filmes, como Os Intocáveis (Morricone). Inacreditavelmente, o filme está passando em uma única sala na cidade de São Paulo, no Cine Belas Artes. Fui em uma segunda-feira. A sala não estava lotada, mas estava cheia. A faixa etária média do público era de uns 55 anos, de modo que eu era um dos mais jovens. 

De Palma não esconde a influência que teve de Alfred Hitchcock, particularmente de dois filmes em especial: Um corpo que cai (Vertigo) e Psicose (Psycho). Detalhista, a ponto de ficar um dia inteiro para filmar apenas uma tomada de "Carrie, a estranha", De Palma também conta coisas saborosas, como a irritação que causou em Sean Connery ao convencê-lo a fazer uma segunda tomada na famosa cena em que o personagem dele leva uma saraivada de tiros de metralhadora em "Os Intocáveis". A plateia também gargalhou com os detalhes sobre a animosidade entre Sean Penn e Michael J. Fox no filme Pecados de Guerra (Casualties of War) e como isto contribuiu para o desempenho dos atores.

A despeito de suas esquisitices, percebe-se que Brian de Palma é um cara bem inteligente, talentoso e persistente. Se não foi o melhor diretor de cinema norte-americano dos anos 80 e 90, agregou muito à indústria cultural cinematográfica do período. Para usar uma expressão pedante pacas (como diria Vinicius de Moraes) que está na moda, o documentário é uma master class. Poxa! Mas que mania de usarmos palavras estrangeiras, não!? Melhor dizer que é uma verdadeira aula de cinema.

sábado, 10 de setembro de 2016

Life - um retrato de James Dean

Quem já viu fotos de atores e atrizes famosos do cinema sabe o que elas são capazes de despertar nas pessoas, principalmente nos jovens, sedentos por modelos de beleza ou de comportamento. As fotos, como tudo no capitalismo, são ou tornam-se mercadoria. São feitas, vendidas e publicadas. Mas, tratando-se de artistas de Hollywood, verdadeiros semi-deuses do Olimpo pós-moderno, tais fotos são adoradas e trazidas nas mentes e corações do público. O interessante é notar o quão forte e profundo as fotos podem mexer com a imaginação das pessoas, mais ainda nos anos 50, época em que não havia smartphones nem internet. Muita coisa mudou da época de Marlon Brando e Ava Gardner para cá. O cinema perdeu um pouco da magia que tinha outrora e o público de cinema ficou mais jovem, na verdade bastante "teen". Ainda assim as fotos mantêm seu poder de sedução e encantamento.

O filme Life se passa na época em que James Dean (Dane DeHaan) somente havia filmado "East of Eden", desastrosamente traduzido para "Vidas Amargas" e estava sendo seriamente cogitado pela toda poderosa Warner para estrelar Juventude Transviada (Rebel Without a Cause). Ainda não era um ator famoso. Prestes a completar 24 anos e vivendo em Nova York, Dean precisava (como qualquer estrela em ascensão) atender aos apelos e reclamos da indústria do cinema, inclusive participar de tediosas entrevistas, coquetéis, "openings" e tornar-se um cão amestrado, fazendo, falando e calando o que os chefões da indústria pedissem. Uma das primeiras cenas do filme "Life" mostra uma coletiva de imprensa do elenco de East of Eden. Estão todos lá: Elia Kazan, Jullie Harris e Cia Ltda.

Todavia, o filme não é somente sobre um astro de Hollywood no início de sua carreira no cinema, mas também sobre Dennis Stock (Robert Pattinson), um fotógrafo freelancer que vendia trabalhos para a revista Life, e cujas fotografias míticas de James Dean rodaram o mundo antes mesmo de sua trágica morte, em 30 de setembro de 1955, aos 24 anos de idade, num acidente de automóvel a bordo de seu porshe spyder. O fotógrafo, até então um "zé ninguém", tornou-se famoso por causa do fotografado. E o fotografado tornou-se mito por ser bonito, talentoso, rebelde e, lógico, por morrer tragicamente no auge da carreira. Naquele tempo, como ainda hoje, os jovens eram ávidos por modelos de comportamento que transgrediam as regras da sociedade. E Jimmy Dean, vindo da mesma escola de Marlon Brando, era um prato cheio.

Boa parte do filme mostra Dennis Stock, que está construindo seu portfólio, tentando convencer o preguiçoso Dean a deixar-se fotografar para a famosa revista. O filme trata da relação de ambos e, inacreditavelmente, de como Dean acabar por acalmar e humanizar o fotógrafo. O diretor Anton Corbijn (como as famosas fotos da revista Life) consegue revelar a pessoa por trás do mito. O ser humano James Dean por trás do ator tinha seu próprio ritmo, mais lento, cadenciado, preguiçoso. Vendo as fotos e os filmes, dá para perceber que Dean era um pouco aquilo. Não apressava as coisas e havia aprendido a representar organicamente, isto é, respeitando o tempo do seu corpo.

Lembro-me que um pouco antes do auge da minha idolatria por James Dean, quando eu tinha 19 anos, comprei um livro em um sebo perto da Praça da República, cujo título era "Too young to die" (Jovem demais para morrer). Acho que minha atração pelo assunto morte me fez comprar este livro, que continha mini biografias de vários gênios e ícones da cultura de massa anglo-saxônica, como Billie Hollyday, Brian Epstein, Jimi Hendrix e, claro, James Dean. Vendo as fotos, percebia que ele tinha uma magia, uma aura e era extremamente carismático, embora incompreendido. E havia um toque de tragédia no livro todo. Realmente, Tânatos me atraiu. Foi lá que fiquei sabendo que a família tinha uma fazenda; que ele estudou no famoso Actor's Studio com Lee Strasberg etc. Lembro que nesse livro (que um dia resolvi jogar fora por me achar mórbido demais) havia a fotografia de Jimmy ao lado de um porco enorme. Hoje sei (ou relembrei) que essa fotografia foi tirada por Dennis Stock na fazenda da família, em Indiana. Dean parece estar sempre cansado, fatigado. Mal havia começado e já era um jovem cansado da indústria, do circo, das cobranças e exigências do circuito.

Houve um tempo em que todos os homens queriam ser James Dean (e todas as moças gostariam de estar em sua cama). Grandes atores e personalidades já confessaram isso, fato que me tranquilizou um pouco ao saber que eu não era o único louco que queria imitá-lo nas roupas, no cigarro, nos trejeitos e atitudes. Só pra se ter um idéia, Dean morreu duas semanas antes de Juventude Transviada estrear nos Estados Unidos, o que explica em parte a criação do mito. Nascido com nome de poeta, James Byron Dean era muito sensível, carente, volúvel e talentoso. Mas o culto que se fez da figura dele é, até hoje, motivo de pesquisa, artigos e reflexões sobre a indústria cultural. Dean, ao lado de Elvis Presley e Marilyn Monroe, compõe a "santíssima trindade" da cultura pop norte-americana do pós-guerra.

Dean se recusava a ser uma urso amestrado no circo de Hollywood. De um lado, inspirava-se em Marlon Brando, que detestava convenções e, de outro lado, em Montgomery Clift, um ator tanto brilhante quanto desajustado. Embora o ator Dane DeHaan (puxa, que nome!) não seja muito parecido com Dean, sua postura corporal passa uma coisa verdadeira: a melancolia de Dean e sua falta de paciência de enquadrar-se ao sistema. O filme tem o mérito de mostrar um pouco como são os bastidores de uma grande indústria do cinema e o preço que se paga para ser um "big star". Tudo indica que, mesmo que não tivesse morrido cedo e tragicamente, Dean não estava disposto a pagar tal preço. Embora seja uma conjectura, os fãs preferem crer que o ídolo não estava disposto a vender sua alma nem aceitar passivamente ser domesticado pelo establishment.

quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Bambi - Felix Salten


"Viver é melhor que sonhar", mas também "há perigo na esquina" escreveu Belchior na música "Como nossos pais". De fato, o perigo é uma realidade para todos os viventes. É preciso cuidado para nos aventurarmos em certos terrenos da vida. Às vezes precisamos prestar atenção, fazer silêncio e apurar os ouvidos. O livro Bambi é sobre um cervo e o ciclo da vida na floresta. Felix Salten, o autor austríaco, narra desde o nascimento do protagonista até sua vida adulta. A primeira metade do livro, publicado pela primeira vez em 1923, centra-se na fragilidade de um recém-nascido, suas descobertas, a relação com a mãe, a perda da inocência e o amadurecimento.

A floresta surge como um abrigo protetor. O livro descreve uma inocência de Bambi na infância. No começo, ele não sabe nada. É ingênuo e curioso. Faz muitas perguntas para sua mãe. À certa altura, a mãe de Bambi responde para ele porque estão mais seguros dentro da floresta, e não no campo: "- Porque os arbustos nos protegem, porque os galhos chiam nas árvores, porque os gravetos estalam no chão e nos avisam e a folhagem dos anos passados espalhada farfalha para nos dar um alerta... porque as gralhas e os pica-paus mantêm a vigilância e porque com isso sabemos de longe quando alguém está se aproximando..."

Transformada em filme animado por Walt Disney em 1942 (em plena Segunda Guerra Mundial), a estória ganhou o mundo. Só que o filme é uma versão infantilizada do texto original. Introduz a figura do coelho "Tambor" (inexistente no livro); faz crer que a passagem da infância para a vida adulta do protagonista se dá como num passe de mágica e, por fim, silencia totalmente sobre Gobo, personagem chave para entender a moral do livro. 

Esqueçam por ora o desenho de Walt Disney, que tem seu inegável encantamento e já colheu seus louros. O livro "Bambi - uma história de vida na floresta", de Felix Salten, com tradução de Christine Röhrig e ilustração de Nino Cais, que saiu pela Editora Cosac Naify é uma grata surpresa. O texto de Felix Salten é mais profundo e merece ser lido com toda atenção. Descreve a natureza, a passagem das estações, a vida dentro da floresta, a variedade de plantas, bichos e pássaros e, evidentemente o perigo. O homem, com sua espingarda que cospe fogo (sua terceira mão, na visão de alguns bichos da floresta), surge como um intruso, como uma ameaça à vida selvagem. O homem é designado por "Ele" pelos animais. O perigo é nomeado. "Ele" tem um cheiro horrível e mata os animais. Toda a estória é narrada do ponto de vista dos bichos. O narrador entra no mundo deles e nos dá conta de uma vida na floresta ao mesmo tempo cruel e generosa, com nuances, com matizes.

Apesar de o mundo ter mudado muito de 1923 para cá, o livro continua atual. Hoje em dia, com a televisão digital e as TVs a cabo, os smartphones e seus aplicativos, a internet, os "games" e os condomínios fechados, os perigos são outros. É preciso prestarmos atenção para não sermos domesticados. Mais do que nunca, vivemos um tempo em que o homem precisa aprender a ficar só às vezes, se desconectar, ler um bom livro e meditar na vida. Você não sabe ficar só? Boa hora para rever uma das estórias mais conhecidas do cinema de um diferente ponto de vista, o original, onde tudo começou. Boa leitura em companhia de Bambi e do velho príncipe!

segunda-feira, 11 de julho de 2016

Retrato de um viciado quando jovem

                                                    Resultado de imagem para retrato de um viciado quando jovem

Por que alguém se propõe a relatar a história da própria vida se sua biografia não é admirável; aliás, se é horrível, cheia de vergonha, quedas e feridas? Convenhamos, a tendência de um ser humano quando leva um tombo em público consiste em disfarçar, esconder a dor e o eventual ridículo da situação. A pessoa levanta-se prontamente do chão por mais que a perna esteja roxa ou sangrando por debaixo da calça. Logo após a queda, as pessoas fingem que não sentiram dor ou tentam minimizá-la. "Não foi nada", dizem, como se o mau passo e a queda não tivessem existido. Então por que alguém escancara sua própria vida e mostra o pior de si?

Acredito que deva ser uma forma (consciente ou inconsciente) de superação, que faz parte da recuperação. Já perceberam como alguns artistas usam a arte como uma forma de superar seus próprios traumas, medos e dificuldades? Cada pessoa, cada adicto, na sua caminhada rumo à sobriedade e ao controle da própria vida, tem sua maneira de reencontrar-se consigo mesmo. E uma dessas maneiras é relembrar tudo o que ocorreu (Quem eu sou? Quem eu era? Como eu vim parar aqui?). Tudo, tudo mesmo, desde o início, desde os primeiros traumas de infância, os primeiros abusos, as primeiras experiências dolorosas. 

Bill Clegg transformou sua queda em livro e a relatou em detalhes em Retrato de um viciado quando jovem, Companhia das Letras, tradução Julia Romeu, 216 páginas. Trata-se de uma queda vertiginosa. Vemos o autor-narrador caindo de um despenhadeiro sem rede de proteção. A leitura também me levou a refletir como alguém que se drogou tanto, pôde se lembrar dos pormenores que são narradas no livro? De tantos detalhes não sei, mas imagino que o ato de escrever tenha sido um processo longo, por vezes doloroso, mas necessário e revelador.  Às vezes o autor fala de si mesmo na terceira pessoa. É uma técnica que dá muito certo, pois, com o distanciamento, Clegg consegue ver melhor, por exemplo, quem era aquela criança que sofria de uma terrível disfunção urinária e disfarçava essa anomalia para a família e os amigos. Outras vezes, quando narra a vida do Clegg agente literário bem-sucedido em Manhattan, namorado de Noah, viciado em crack e manipulador, o livro é narrado em primeira pessoa. 

O livro é de uma sinceridade brutal, atordoante. Às vezes, o simples relato dos fatos já é uma história. Os norte-americanos fazem muito bem isso. Como se fossem antropólogos, sem fazer análises psicológicas ou "achismos", limitam-se a narrar os fatos. O autor faz uma espécie de retrospecto de sua vida, contando passagens que marcaram sua trajetória como as peripécias que fazia para conseguir urinar, o terror psicológico exercido pelo pai, a fascinação por uma determinada garota e a influência que ela exercia sobre ele. Interessante notar que uma pessoa que passou a vida inteira escondendo coisas (disfunção urinária e vício em crack) chegue num momento de ruptura desse padrão e escancare a vida de modo tão contundente.

sábado, 18 de junho de 2016

O Brasil interino

Como se já não bastassem todas as notícias dos últimos tempos, hoje saiu no jornal que, após acordo com o presidente interino Michel Temer, o Estado do Rio de Janeiro decretou estado de calamidade publica a 49 dias do início das Olimpíadas. Realmente é um descalabro! O Rio de Janeiro, sede da antiga capital da República, encontra-se em estado de calamidade financeira! (Aliás, que Estado-membro não se encontra?). Tem atrasado até o pagamento dos servidores públicos aposentados! A pergunta é: a quem interessa a decretação oficial desse "estado de calamidade" no atual momento? Como disse o lúcido médico Paulo Saldiva, no Jornal da Cultura, só interessa aos políticos e oportunistas de plantão, que poderão fazer contratações sem licitação, sob a justificativa da emergência. Além disso, poderão descumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Vivemos em um país interino, com um presidente interino e, no Estado do Rio, com um governador interino. Vivemos na corda bamba. Não se sabe qual será o Presidente da República que estará presente na solenidade de abertura dos Jogos Olímpicos. Se o processo de impeachment ainda estiver em marcha ou se a maioria absoluta do Senado se convencer da prática de crime de responsabilidade, será o Temer. Caso contrário, será a Dilma. À propósito, como fazer Olimpíadas em um país onde a saúde pública (esta sim) encontra-se em estado de calamidade? No Brasil atual, além da conhecida falta de leitos na rede pública e de notícias de pessoas morrendo na porta de hospitais por falta de atendimento, temos uma epidemia de zika, dengue e chikungunya.

Curioso essa competição internacional ser feita nesse momento de lavar roupa suja no Brasil, nesse momento de delações, escutas, prisões, impeachment. Também é curioso que a "Operação Lava-Jato" já dura mais de 2 anos. É muita roupa suja e encardida para lavar. Diz-se que "roupa suja se lava em casa"; só que, no caso brasileiro, todos os olhos estrangeiros estarão voltados para dentro de nossa casa, para dentro da nossa lavanderia. A Nova República mal completou 30 anos e já está podre.

Nasci e cresci escutando que o Brasil era o país do futuro. Depois de dois mandatos de FHC e dois mandatos de Lula, parecia que o Brasil estava se emancipando, tornando-se protagonista de sua própria história. Ledo engano. O Brasil é um país provisório, um país de medidas provisórias, um país interino, sempre em transição, sempre querendo chegar a algum lugar e não alcançando, chegando a lugar nenhum.

sábado, 26 de março de 2016

Éramos seis



Há tempos vinha acalentando a ideia de ler um livro específico. É estranho como algumas ideias ou pensamentos nos pescam assim, no meio do cotidiano, enquanto estamos estendendo a roupa no varal, fazendo café, tomando banho ou arrumando a cama. E depois, sobrevém momentos em que há memórias de infância que não nos dão trégua e ficam martelando nas nossas cabeças. Assim foi com o livro que tentarei fazer uma sinopse a seguir. O título acima refere-se a um livro escrito e lançado por Maria José Dupret em 1943. Virou novela no Brasil na década de 1970 (daí minha lembrança - eu devia ter uns 5 anos) e, soube recentemente, filme na Argentina. Dupret narra a estória de uma família de classe média paulistana, no começo do século XX, lutando para sobreviver. Dona Lola, casada com Seu Júlio e seus quatros filhos: Carlos, Alfredo, Julinho e Isabel. Como em toda família, cada personagem tem uma personalidade completamente diferente da outra. Seu Júlio, o pai, é trabalhador responsável, mas de gênio violento e cardíaco. Dona Lola é amorosa, conciliadora e do tipo que pensa mais nos outros do que em si mesma. Carlos, o filho mais velho, é responsável e estudioso. Alfredo é violento, gosta das ruas e passa longe dos livros. Julinho é estudioso e comportado. E Isabel, a caçula, é romântica e sonhadora. A narrativa é, sobretudo, triste. O que lemos nas páginas desse romance é o cotidiano de gente simples, que trabalha, estuda, economiza para pagar as contas, cria os filhos e os vê crescendo, enquanto o tempo vai passando... Enfim, gente comum, gente que vemos nas ruas, tropeçamos, conversamos e, às vezes, não nos damos conta que são, afinal, gente como a gente. A narradora é a mãe e, portanto, o olhar vem dessa perspectiva, com tudo de parcial (olhar de mãe) e pessoal (amorosa, sofredora) que nele possa haver. O romance tem uma carga realista não só porque narra como era difícil a vida naquele tempo (o arco temporal vai mais ou menos de 1915 a 1943), contando em minúcias o cotidiano de uma família, como também passa por fatos históricos. A família, que mora em uma modesta casa da Avenida Angélica, em São Paulo, passa pela Primeira Guerra Mundial, a Revolução de 1924 e a Revolução de 1932. Li outro dia na internet que Maria José Dupret, a autora, é subestimada pelos críticos de literatura brasileira. Concordo. Foi com ela que milhares de crianças brasileiras começaram a gostar de ler, como, por exemplo, "Aventuras de Vera, Lúcia, Pingo e Pipoca", "A mina de ouro", "A ilha perdida" e "O cachorrinho samba".

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

40 anos

Dizem que a vida começa aos 40. Por que 40 ? Balzac não escreveu sobre a mulher de 30, como uma mulher já conhecedora do mundo, das suas vicissitudes, dos dissabores e prazeres da vida? Pois é... É que as mulheres são mais precoces. Acho que aos 40 a gente morre para renascer de novo. O tempo não é exato para todo mundo, claro! Para alguns acontece antes e para outros depois. Para alguns pode se dar aos 33 e para outros aos 47. Mas aos 40 já estamos (um pouco) mais vacinados contra as doenças da alma e do coração... Já não somos tão ingênuos, aprendemos a ganhar dinheiro. Já sabemos quem nos atrai, quem gosta de nós e quem nos cumprimenta apenas por dever social. Então, não perdemos mais tanto tempo. Não somos mais crianças nem adolescentes que não sabem diferenciar o blues do jazz, o samba-canção da bossa-nova, a MPB do samba-rock etc. E, para o bem e para o mal, já sabemos o que queremos. Quem nunca ouviu a frase: "Ahh... puxa... se eu tivesse a cabeça que tenho hoje quando eu tinha 20 anos..." É... mas não é assim. A natureza tem os seus caprichos... Seus caminhos tortos. A vida não foi feita para ser fácil. Aprendemos caindo, com os tombos, ralando os joelhos. Não existe atalho para a nossas jornadas pessoais. E aos 40, parece que paramos de correr atrás. Do que ou de quem? Não importa... Parece que, finalmente, nos damos conta que a nossa felicidade não está nas mãos dos outros, mas nas nossas próprias mãos! Também não somos mais tão infantis a ponto de jogar a culpa nos outros por nossa infelicidade. Estamos na idade da razão! Plenos de vigor e energia e com total consciência sobre nossos atos. Nem todas as mudanças são perceptíveis... Mas elas ocorrem, principalmente para aqueles que tem a coragem de olhar para dentro e mudar! Parece que já não temos tanto pressa quando tínhamos 20 anos. O mundo não vai acabar, pelo menos não hoje. Podemos fazer tudo com mais calma, seja no trabalho, na vida social, familiar ou amorosa. Já não pretendemos mais fingir ser alguém de sucesso. Sabemos quando e como vestir e tirar as máscaras sociais. Aos 40, une-se a experiência com a vitalidade! Aqueles que se deram o presente de se autoconhecer e melhorar já não são tão arrogantes, nem convencidos, nem se acham tão perdedores... sabem o seu real valor. E melhor: sabem se colocar, sabem se posicionar perante uma situação desconfortável, seja aumentando ou diminuindo de tamanho. Pois é... até isso aprendemos... Falando em tamanho, lembro-me do que uma empregada dos meus avós disse-me um dia quando eu ainda era criança: "Você pode não ser grande ainda meu filho, mas você tem o tamanho dos seus sonhos..."