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sábado, 28 de dezembro de 2013

Aberrações da Humanidade

Quando você não consegue viver sem ler e escrever...quando esse hábito vira rotina, sina, mania, roteiro do dia-a-dia, não se envergonhe; pelo contrário, se orgulhe: você também foi picado pela mosca azul da galhardia... da fantasia... da poesia...Mesmo que não dê em nada, você está exercitando o pensamento e, muitas vezes, o bom-humor, ingrediente essencial para a refeição mental e essencial do dia. Hoje, novamente, a melhor coisa que li no jornal foi a coluna do Marcelo Rubens Paiva, que está cada vez melhor. Querido Marcelo, se você ler esse desconhecido blog, me escreva para combinarmos um café (com açúcar do açucareiro tradicional). Segue:
 
ABERRAÇÕES DA HUMANIDADE

Marcelo Rubens Paiva - O Estado de S.Paulo

Sachê

Você sabe muito bem do que estou falando. Onde estão aqueles recipientes com mostarda e ketchup com que estávamos habituados, e aprendemos a espremer antes de escrever? E o saleiro, o açucareiro, a maionese no pratinho, com uma espátula apropriada? É mais raro encontrá-los do que guardanapos de linho. A Vigilância Sanitária, o lucro insano das corporações e o capitalismo selvagem nos obrigam a conviver com desagradáveis e minúsculos sacos plásticos não biodegradáveis que, dizem, contêm o condimento necessário para a nossa refeição. Como abrir? Com unhas? Dentes? Dentadas e unhadas? Imaginam que andamos com canivete suíço no bolso? Como abrir sem escorrer a metade do condimento? Como abrir sem espalhar pela mesa ou pelo colo ou, pior, espirrar no rosto do garçom, um saco que não fora planejado para ser aberto, mas para apenas armazenar uma porção que alguém arbitrariamente julgou a necessária. Bem, minhas fritas precisam de dezenas daqueles saquinhos. E tiveram a cara de pau de inventar sachê com azeite, vinagre e até shoyu. Queria que o inventor dessa barbaridade almoçasse numa cantina tradiça com a minha família italiana e tentasse temperar a salada, entre as polêmicas e discussões de sempre de domingo. Sem usar os dentes.
Protocolo de Atendimento
Outra aberração da humanidade. Já tive quatro protocolos de atendimento numa reclamação para o SAC de uma telefônica num telefonema de 30 minutos. Média: um protocolo a cada sete minutos e meio. No quarto, me perguntei o que foi feito com o coitado do primeiro, perdido, esquecido solitário no buraco negro que eles nomearam "sistema". E se precisamos de quatro, por que nos soletram três antes. Nossa vingança é quando fingimos que anotamos o protocolo de atendimento. "Senhor, por favor, anotar o protocolo de atendimento." Claro, querida, pode falar, estou anotando no meu álbum de protocolos de atendimento, que coleciono desde quando inventaram o protocolo de atendimento, meses depois de inventarem o atendimento. E repetimos em voz alta um número infindável, enquanto checamos e-mails, postagens nas redes sociais, confirmamos presença em eventos em que não daremos as caras... Se tivessem a mesma eficiência nos atendimentos que no exercício de dar protocolos de atendimento, o mundo seria com bem menos protocolos. E os consumidores ligariam bem menos para o atendimento.
 
Controle Remoto
Foi uma bela invenção. Que piorou a saúde da humanidade, aumentou o sedentarismo e nos deixou mais atordoados. Invenção que, com o tempo e o avanço tecnológico, piorou, como o relógio digital que está até em eletrodomésticos de linha branca, piscando teimosamente no 00:00, já que não sabemos programá-lo. Tá. Não bastam os botões de ligar, desligar, volume e canal. Existem dezenas deles, com números que não são parte de uma calculadora e símbolos que não fazem sentido, indicações e termos que só conseguem ser lidos com a ajuda de um microscópio. O controle da minha TV, comprada no Brasil, tem as opções power, source, ch, pre-ch, mute, ch.list, w.link, tools, return, info, exit, cc, mts, p.mode, e.mode, p.size, fav/ch, números e flechas... E, claro, um enter que, cuidado, se você apertar, a TV não funcionará por sete dias, até seu sobrinho geek fazer uma visita. Como se não bastasse, precisamos de três deles, às vezes mais, para assistir àquele filminho água com açúcar com a família. E sincronizar operações, como abaixar o volume da TV, aumentar o do Blu-Ray e mudar para modo HDTM3. Muitas vezes, quando acertamos e, milagre, o volume está OK e a legenda sincronizada, parte da família ronca ao lado. Mais fácil pilotar um caça sueco. Quer uma dica quando der pau? Uso aqui em casa: tira da tomada, conta até 15 e coloca novamente. Geralmente dá certo.
 

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Palhaço

Não sei porquê, mas hoje me deu uma vontade danada de escutar Nelson Cavaquinho. Ficar à toa, destilando emoções... Fui à Rua Augusta, um pouco acima do restaurante Piolim (restaurante de artistas e com o nome de um palhaço conterrâneo) e vi um CD restaurado, de um Álbum lançado em LP pela RCA Victor em 1986. Um achado...Mentalmente, dei uma cambalhota no meu imaginário trampolim...

"Sei que é doloroso um palhaço
Se afastar do palco por alguém
Volta, que a platéia te reclama
Sei que choras palhaço
Por alguém que não lhe ama

Sei que é doloroso um palhaço
Se afastar do palco por alguém
Volta, que a platéia te reclama
Sei que choras palhaço
Por alguém que não lhe ama

Enxuga os olhos e me dá um abraço
Não te esqueças, que és um palhaço
Faça a platéia gargalhar
Um palhaço não deve chorar

                  (Osvaldo Martins, Nelson Cavaquinho e Washington)


O palhaço é o homem mais triste que existe.
E é o personagem que mais traz alegria às crianças...
É o paradoxo da humanidade.
Aquele que condensa um momento em eternidade...
é a própria humanidade, encarnada em pessoa.


No final das contas, somos todos palhaços.
Principalmente os homens,
E é isso que nos redime.
E é isso que nos imprime,
uma cara humana.
Precisamos desvendar nossa alma
Olhar lá no fundo alguns essenciais traços
Rir dos nossos tropeços...
Descobrir o mais querido palhaço em nós mesmos.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

O Espanto...




O ESPANTO
 
Essa foto da imagem, da televisão (mas que consegui), reflete um pouco do que foi o assombro das torcidas diante do fenômeno, do jogador, do mito: Pelé. Para quem não viveu essa época, como eu, que só lembrava das estórias dos pais, dos avós e dos tios, e acreditava em Pelé mais vivamente do que em Papai Noel...recomendo entusiasticamente o filme "Pelé Eterno", de Anibal Massaini. Minha madrinha, santista roxa, já assistiu esse filme pelo menos sete vezes. É um mergulho no passado, do melhor futebol jogado nesse país. Era uma outra época essa década de 1960... Era o futebol romântico, o futebol moleque, o futebol menino... Onde não tinha muita propaganda, nem espetacularização, nem consumismo. Cada um era o que era. Não adiantava se maquiar frente às câmeras. Na verdade, não tinha maquiagem. Tinha malandragem. Isso sim. Que pena que essa época se foi... Jogadores forjados na várzea, na praia, nos campinhos disputavam um lugar ao sol nos campos de futebol... Quem não fosse bom não jogava. Simplesmente. Era uma era de autenticidade no futebol.

"(...)
Chega o ano de 1958,
Ano de Copa do Mundo,
O grande sonho de Pelé é jogar
o Mundial pela seleçãol brasileira.
Para ele, cada partida,
é uma oportunidade de superação.

O endiabrado criolino transforma uma simples
partida contra o América,
num recital de futebol.
Não é desonra ser derrotado por um fenômeno,
que é um desafio à imaginação."
                                              (Armando Nogueira)

Obs.: nessa partida, Pelé fez 4 gols na vitória do Santos por 5x3 contra o América.
E como diria meu pai, "fora o baile..."

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Convento da Penha - Espírito Santo


Descobri este ano que Vila Velha já não tem nada de velha
Nem de vila, infelizmente...
E, embora garantam que é possível segui-las
Parece-me que as pegadas do Anchieta foram apagadas...
Pela chuva, pelo vento e pelo tempo...
Mas procuro conservar esta imagem na mente

Subi a ladeira da penitência para ver o Convento da Penha

Marco histórico da nossa colonização
Construída no século XVI, em cima de uma pedra
Lugar propício para uma oração

Lá de cima, andando por cima das pedras
E lá de dentro, passando por diversos cômodos
É possível uma visão de 360 graus
Vila Velha e Vitória
Ver o continente e o oceano

E apreender tudo na memória

É possível falar consigo mesmo
E tal como Bibiana, com o vento...
É possível contemplar o horizonte
E você nem vê passar o tempo
Pois não é possível segurá-lo
Nem estancá-lo
Ele escorre por entre as horas...
Corre depressa como o vento
Galopa incessantemente
Mas às vezes anda.
E se esconde, logo ali
atrás do histórico Convento

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Coral de Jovens do Instituto Baccarelli

Caríssima amiga Railídia

Semana passada, minha amiga, tive uma alegria imensa!
Lá onde eu trabalho houve uma festa!
Uma cantoria no meio da tarde!
O Procurador-chefe da Procuradoria (é...é assim que eles
se referem a quem está no andar de cima da burocracia...)
contratou o Coral de Jovens do Instituto Baccarelli, da
favela de Heliópolis, para dar um show para os servidores...

Me emocionei, fiz força para não chorar...(Por que ?
Que bobo que fui, devia ter chorado...)
Pois foi muito emocionante ver todos aqueles jovens de
15, 16 e 17 anos cantarem todas aquelas músicas,
tão bem ensaiadas, e com toda aquela emoção e ternura...
Um coral é sempre um coral...
Há que ter uma união muito forte, não só física, mas emocional...
Me senti em casa. Ou melhor: como se estivesse num arraial...
E o produto foi um frescor de juventude cantando músicas...
Pura magia! Foi verdadeiramente uma pintura...

Primeiro ato: um auditório vazio que vai se enchendo aos poucos, mas bem aos poucos...com servidores públicos tímidos querendo companhia para não sentarem sozinhos no grande auditório.

Segundo ato: um servidor público vai até o microfone, às 17h25m, em plena quinta-feira, e anuncia a grande atração do dia: Coral de Jovens do Instituto Baccarelli, cujo site é: http://institutobaccarelli.org.br/ Diz que tudo começou quando o grande maestro Baccarelli viu um incêndio na favela de Heliópolis, se comoveu e resolveu fazer a parte dele: fundar uma escola de música e de coral na favela. Todos os jovens que cantam no coral são oriundos da favela de Heliópolis... E emocionaram a todos com o seu canto jovem, experiente!, cheio de frescor, ternura, doçura e amor...

REPERTÓRIO DO DIA (pois o repertório real é muito mais vasto):

We are the world - Lionel Richie/Michael Jackson (Arranjos: Roger Emerson)

Hallelujah - Leonard Cohen (Arranjos: Roger Emerson)

Berimbau - Baden Powell/Vinicius de Moraes (Arranjos: Arlindo Teixeira/ Arranjo de Percussão corporal: Luis Pérez)

Ode à Alegria/Aquarela do Brasil - Beethoven/Ary Barroso (Arranjo: Silvio Baccarelli)

Roda Viva - Chico Buarque (Arranjo: Patrícia Costa)

Epitáfio - Sérgio Britto (Arranjo: Gerson Salcedo/Newton W. Macedo)

Você - Tim Maia (Arranjo: Márcio Mattos)

Noite Santa - Adolphe Adam

Natal branco - Irving Berlin

Terceiro ato: APLAUSOS...APLAUSOS...e mais APLAUSOS...
E uma alegria que invadiu cada um dos corações que ouviu
Aquele Coral...aquelas canções...
E sentiu...
Aquele manancial de emoções...

Parabéns Instituto Baccarelli!
Parabéns a vocês, jovens, de Heliópolis!
A cidade do sol!
A cidade da música!
A nova Polis!

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

O que justifica o "existir"

IDADE MÉDIA: Temo a Deus, logo existo!


IDADE MODERNA: Penso, logo existo!


IDADE CONTEMPORÂNEA: Consumo, logo existo!


O QUE VIRÁ: Amo, logo existo!

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

O país das torres medonhas

MILTON HATOUM - O Estado de S. Paulo
 
Há pouco tempo, quando passei por Natal, mal pude reconhecer a Baixa Ribeira, que eu havia visitado nos anos 1970. Nas duas últimas décadas, construíram-se torres em volta desse bairro antigo, um dos mais belos de Natal. Isso aconteceu em outras cidades litorâneas: Maceió, Recife, Salvador, Rio, Fortaleza, Vitória... Santos é mais um exemplo de total desfiguração arquitetônica, mas há torres e fortalezas por toda a parte, até em pacatas cidades do interior.
 
Hoje mesmo, na capital paulista, a paisagem do entorno das casas modernistas projetadas por Gregori Warchavchik está ameaçada pela construção de um edifício-torre.
 
Há menos de vinte anos, um arquiteto teve a ideia luminosa de construir uma torre de 125 metros perto do Masp. O colosso arquitetônico - uma ideia felizmente abandonada - foi apelidado de "pirocão", mas esse lindo apelido nada tem a ver com a metáfora de um ato inventivo, como sugeriu o poeta Gottfried Benn ao dizer que a "palavra é o falo do espírito". O "pirocão" apenas traduz o péssimo gosto verbal (e gestual) de certos arquitetos megalômanos.
 
Na verdade, sentimos horror à memória urbana. Casas e edifícios históricos de municípios e capitais brasileiros foram e estão sendo desfigurados ou destruídos; somos impotentes diante da avidez de algumas construtoras, que demolem a arquitetura histórica e erguem torres de 40 andares. Mas essas barbaridades não seriam praticadas sem a cumplicidade (às vezes secreta) de funcionários públicos e políticos. Alguns bairros de São Paulo, se forem adensados com a construção de novos edifícios-torres, vão parar de vez.
 
Mas há também pequenas barbáries, de grande alcance simbólico. Cinemas que faziam parte da história cultural das cidades brasileiras foram demolidos. Vários tornaram-se sedes de bancos, e outros, horrorosos templos religiosos, que nem mesmo o diabo ousaria visitar.
 
Casas onde viveram poetas, artistas e escritores também foram destruídas. A casa do poeta Thiago de Mello - um dos raros projetos de Lucio Costa na Amazônia - está ameaçada pela ampliação de um porto. Na cidade alagoana de Viçosa, a casa onde morou Graciliano Ramos foi demolida e deu lugar a um condomínio, cuja fachada dispensa comentários. Agora só falta derrubar a igreja Matriz da cidade, onde Graciliano escreveu boa parte de uma obra-prima da literatura brasileira: S. Bernardo.
 
O escritor e crítico de cinema Paulo Emílio Sales Gomes assinalou que o descaso em relação à nossa História mais antiga está ligado a um profundo e inconsciente horror ao passado: ódio à miséria social do nosso passado e à opressão colonial. Ele usou uma expressão certeira ao dizer que "as decadências prematuras são doenças do subdesenvolvimento". Hoje, a opressão é de outra ordem, mas essas doenças persistem: basta ver os projetos de habitação popular, onde os pobres são arrebanhados em abrigos vergonhosos. No Brasil, a moradia popular é o avesso de uma vida digna.
 
Na crônica Os Arranha-Céus no Rio Não Fazem Bela Figura", Manuel Bandeira escreveu: "O arranha-céu é uma fatalidade econômica, não é criação artística. Tudo o que se pode fazer é meter a ridículo os snobes que inscrevem o arranha-céu como cláusula de modernidade Quem manda construir arranha-céus está se ninando para as artes, modernistas ou não. Quer é dinheiro".
 
O grande poeta publicou essa crônica em 1928, quando a natureza do Rio ainda era soberana e estava longe de ser ameaçada pela proliferação de edifícios-torre ou pirocões pós-modernos, que nada têm de artístico. Dane-se a história das nossas cidades: na sanha devastadora do urbanismo bárbaro, só o céu é o limite.

                                              (Milton Hatoum - coluna do dia 06/12/2013)

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

O Céu do Espírito Santo - Serra - Brasil





No princípio daquele final de outubro: café da manhã...
Depois, meu amigo, chuva...chuva e mais chuva...
O céu nublado, nenhum programa à vista
Depois da cerveja e do almoço, mais chuva...
Preguiça no corpo...
Era sábado, era sábado...
Ou, seja, ainda tinha uma janela...uma vista...

E não é que, de repente, lá na Serra...
Minha prima Daniela, num arrojo de vontade
Me pergunta com som de novidade,
Vamos conhecer um pouco a terra ?

Claro! Vamos! Estou aqui pra isto!
Saímos ali da Serra e fomos pra Manguinhos
Dani, Gê e Clara...
(Raul ficou com Scarim, ambos como anjos, dormindo...)
Mais isso é uma coisa rara...
Que beleza! Que doçura!
E enquanto o carro ia zunindo,
parece que o céu ia se abrindo...
Numa tempestade de cores e nuvens...
Até que o vermelho e o amarelho apagaram a brancura...
E preencheram a aquarela desse Brasil, sorrindo...

domingo, 1 de dezembro de 2013

Saudade do Brasil

Caríssimo amigo Fernando Szegeri

Estou com saudades dos nossos papos!
Lembras-te quando saíamos dos nossos quintais...
Ambos guapos!
De onde ainda tinha tamarindo, hortas...
Roseiras...e bambuzais ?
 
E íamos a pé, alegres, assistir a um jogo
No mítico Pacaembu ?
Quando tudo era só festa...
E o jogo ainda era jogado, catimbado...
Sem essa marcação hedionda do bel-ze-bu ?

Descobri um novo canal de televisão, meu amigo, que eu não conhecia: o canal Brasil. Que beleza! Dias atrás assisti ao filme "Os desafinados", com Selton Mello, Cláudia Abreu (Glória), Rodrigo Santoro (Joaquim), Alessandra Negrini (linda!), Jair de Oliveira, Antonio Pedro e, como diziam aqueles velhos "reclames" (ainda existe isto ?) "e grande elenco...". Quer dizer, esta última expressão era colocada não só para disfarçar a pequenez ou o anonimato dos demais atores e atrizes, como para engrandecer o filme. Que beleza! Peguei o bonde andando...quer dizer, com o filme já no começo. O bom de assistir filme em casa é que você pode ir petiscando algo ou bebendo alguma coisa enquanto "a fita" rola. "A fita" é do tempo do Sérgio Buarque de Holanda. Eu já sou um pouco mais moderno, sou do tempo do "video-tape". Caramba...Acho melhor não me expor tanto...Enfim, o filme se passa nos anos 60 e fala de uma trupe de músicos que sai do Brasil e vai para Nova York tentar "ganhar a vida". Que expressão essa, hein ?! A gente não ganha a vida quando nasce ? É...parece que não...Bom...eles vão para Nova York e o Joaquim se apaixona pela Glória. Já viu isso ? Parece filme não ?! E um brasileiro se apaixonar por uma brasileira lá fora, no estrangeiro, parece uma coisa bastante recorrente. Um dia algum antropólogo vai escrever uma dissertação de mestrado sobre isso, pode apostar! Parece-me que a saudade do Brasil une as pessoas lá fora. Já senti isso quando morei em Londres. It's true. E lá fora a gente só fala bem do Brasil. É impressionante! Mas, logo que a gente chega, a gente olha, observa, escuta...e se sente um estrangeiro nas primeiras semanas. A gente começa a comparar tudo: a paisagem, os hábitos, os transportes, os costumes, o respeito ou o desrespeito às regras, os tipos de conversas, a relação entre as pessoas, entre os amigos, a relação do Estado com o cidadão... E, um pouco depois, a gente sai falando mal do Brasil, mas de uma forma muito tosca! Sai falando que esse país é uma merda! Que não presta! Que todo mundo só sabe fazer fofoca! Que ninguém respeita a lei, etc. e tal. Nossa !? Hoje eu posso me autocriticar um pouco...Já fiz isso e hoje não penso assim. A gente não falava belezas do Brasil lá fora ? A gente não cantava João Gilberto, Caetano, Gil e Chico para o "foreign" ? Não lembrava com saudade das nossas praias, das morenas, da natureza, das comidinhas, do nosso samba ? Da possibilidade de fazer um amigo na rua, no bar ou no futebol ? O coração não era só saudade ? E agora...falando mal do seu país ? Não é um comportamento um pouco esquizofrênico ? É...acredito que sim. O Brasil ainda tem coisas ótimas! Só não vê quem não quer. Mas se apresse e fique atento!, meu amigo, pois os conspurcadores e "cagadores de regras" não param de legislar contra o Brasil. Aquele Brasil do Pixinguinha já não existe mais. Bom...mas voltando...me emocionei com o filme. O Rodrigo Santoro faz o papel do galã, a Cláudia Abreu da cantora e amante, a Alessandra Negrini da esposa amorosa (e convence!) e o Selton Mello faz o papel do Selton Mello. Impagável. Que menino de ouro!

Abraços
Geraldo

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Os Maias: episódios da vida romântica

       "(...)
       Ega ergueu-se, atirou um gesto desolado:
       - Falhamos a vida, menino!
       - Creio que sim...Mas todo o mundo mais ou menos falha. Isto é, falha-se sempre na realidade aquela vida que se planeou com a imaginação. Diz-se: "vou ser assim, porque a beleza está em ser assim". E nunca se é assim, é-se invariavelmente assado, como dizia o pobre marquês. Às vezes melhor, mas sempre diferente.
       Ega concordou, com um suspiro mudo, começando a calçar as luvas.
       O quarto escurecia no crepúsculo frio e melancólico de inverno. Carlos pôs também o chapéu: e desceram pelas escadas forradas de veludo cor de cereja, onde ainda pendia, com um ar baço de ferrugem, a panóplia de velhas armas. Depois na rua Carlos parou, deu um longo olhar ao sombrio casarão, que naquela primeira penumbra tomava um aspecto mais carregado de residência eclesiástica, com as suas paredes severas, a sua fila de janelinhas fechadas, as grades dos postigos térreos cheias de treva, mudo, para sempre desabitado, cobrindo-se já de tons de ruína.
       Uma comoção passou-lhe na alma, murmurou, travando do braço do Ega:
       - É curioso! Só vivi dois anos nesta casa, e é nela que me parece estar metida a minha vida inteira!
       Ega não se admirava. Só ali no Ramalhete ele vivera realmente aquilo que dá sabor e relevo à vida - a paixão.
       - Muitas outras coisas dão valor à vida...Isso é uma velha idéia de romântico, meu Ega!
       - E que somos nós ? - exclamou Ega. - Que temos nós sido desde o colégio, desde o exame de latim ? Românticos: isto é, indivíduos inferiores que se governam na vida pelo sentimento e não pela razão...
       Mas Carlos queria realmente saber se, no fundo, eram mais felizes esses que se dirigiam só pela razão, não se desviando nunca dela, torturando-se para se manter na sua linha inflexível, secos, hirtos, lógicos, sem emoção até ao fim...
       - Creio que não - disse o Ega. - Por fora, à vista, são desconsoladores. E por dentro, para eles mesmos, são talvez desconsolados. O que prova que neste lindo mundo ou tem de ser insensato ou sensabor...
       - Resumo: não vale a pena viver...
       - Depende inteiramente do estômago! - atalhou Ega.
       Riram ambos. Depois Carlos, outra vez sério, deu a sua teoria da vida, a teoria definitiva que ele deduzira da experiência e que agora o governava. Era o fatalismo muçulmano. Nada desejar e nada recear...Não se abandonar a uma esperança - nem a um desapontamento. Tudo aceitar, o que vem e o que foge, com a tranqüilidade com que se acolhem as naturais mudanças de dias agrestes e de dias suaves. E, nesta placidez, deixar esse pedaço de matéria organizada, que se chama o Eu, ir-se deteriorando e decompondo  até reentrar e se perder  no infinito Universo...Sobretudo não ter apetites. E, mais que tudo, não ter contrariedades.
       Ega, em suma, concordava. Do que ele principalmente se convencera, nesses estreitos anos de vida, era da inutilidade de todo o esforço. Não valia a pena dar um passo para alcançar coisa alguma na terra - porque tudo se resolve, como já ensinara o sábio Eclesiastes, em desilusão e poeira.
       - Se me dissessem que ali embaixo estava  uma fortuna como a dos Rothschilds ou a coroa imperial de Carlos V, à minha espera, para serem minhas se eu para lá corresse, eu não apressava o passo...Não! Não saia desse passinho lento, prudente, correto, seguro, que é o único que se deve ter na vida.
       - Nem eu! - acudiu Carlos com uma convicção decisiva.
       E ambos retardaram o passo, descendo para a rampa de Santos, como se aquele fosse em verdade o caminho da vida, onde eles, certos de só encontrar ao fim desilusão e poeira, não devessem jamais avançar senão com lentidão e desdém. Já avistavam o Aterro, a sua longa fila de luzes. De repente Carlos teve um largo gesto de contrariedade:
       - Que ferro! E eu que vinha desde Paris com este apetite! Esqueci-me de mandar fazer hoje para o jantar um grande prato de paio com ervilhas.
       E agora já era tarde, lembrou Ega. Então Carlos, até aí esquecido em memórias do passado e sínteses da existência, pareceu ter inesperadamente consciência da noite que caíra, dos candeeiros acesos. A um bico de gás tirou o relógio. Eram seis e um quarto!
       - Oh, diabo!...E eu que disse ao Vilaça e aos rapazes para estarem no Braganza pontualmente às seis! Não aparecer por aí uma tipóia!...
       - Espera! - exclamou Ega. - Lá vem um "americano", ainda o apanhamos.
       - Ainda o apanhamos!
       Os dois amigos lançaram o passo, largamente, E Carlos, que arrojara o charuto, ia dizendo na aragem fina e fria que lhes cortava a face:
       - Que raiva ter esquecido o paiozinho! Enfim, acabou-se. Ao menos assentamos a teoria definitiva da existência. Com efeito, não vale a pena fazer um esforço, correr com ânsia para coisa alguma...
       Ega, ao lado, ajuntava, ofegante, atirando as pernas magras:
       - Nem para o amor, nem para a glória, nem para o dinheiro, nem para o poder...
       A lanterna vermelha do "americano", ao longe, no escuro, parara. E foi em Carlos e em João da  Ega uma esperança, outro esforço:
       - Ainda o apanhamos!
       - Ainda o apanhamos!
       De novo a lanterna deslizou e fugiu. Então, para apanhar o "americano", os dois amigos romperam a correr desesperadamente pela rampa  de Santos e pelo Aterro, sob a primeira claridade do luar que subia."
 
(QUEIRÓS, Eça de; Os Maias: episódios da vida romântica; 2ª ed. - Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2012.)
 
 
 Obs.: o "americano" era um transporte ultra-moderna para aquela época. Era um "eléctrico".  
 
 

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Que República ?

 
No livro "Os bestializados..." o historiador José Murilo de Carvalho, grande estudioso da cidadania no Brasil, tenta desvendar que povo era aquele que morava no Rio de Janeiro na passagem da Monarquia para a República e nos primeiros anos desta. José Murilo quer saber: que república era esta ? Havia participação popular ? Havia cidadania ? Como era a relação do Estado com o cidadão ? O primeiro capítulo é uma descrição do Rio de Janeiro da época, com ênfase nas transformações políticas, sociais e culturais da então capital do Brasil. Depois de falar das consequências da abolição da escravatura, entre elas a explosão demográfica na capital, o historiador discorre sobre a precariedade da cidade, o surto de epidemias, as consequências da desastrosa política monetária do governo, que trouxe a especulação e a inflação generalizada. Também discorre sobre a grande agitação política que tomou conta da cidade, as primeiras greves, o autoritarismo do governo municipal, a perseguição aos capoeiras e aos anarquistas, a "salada ideológica" entre a intelectualidade e, entre outras coisas, o que chama de uma vitória do espírito do capitalismo desacompanhado da ética protestante. Em suma: as políticas públicas e as decisões vinham todas de cima para baixo; o número de eleitores era baixíssimo, as eleições eram fraudadas, os cafeicultores obtinham favores do governo, grande parte dos capitalistas faziam negócios onde a honestidade não era convidada e, por fim, a polícia era chamada para baixar o porrete nas classes potencialmente perigosas. No entanto...
 
"No entanto, havia no Rio de Janeiro um vasto mundo de participação popular. Só que esse mundo passava ao largo do mundo oficial da política. A cidade não era uma comunidade no sentido político, não havia o sentimento de pertencer a uma entidade coletiva, não havia uma comunidade política. A participação que existia era de natureza antes religiosa e social  e era fragmentada. Podia ser encontrada nas grandes festas populares, como as da Penha e da Glória, e no entrudo; concretizava-se em pequenas comunidades étnicas, locais ou mesmo habitacionais; um pouco mais tarde apareceria nas associações operárias anarquistas. Era a colônia portuguesa, a inglesa; eram as colônias compostas por imigrantes dos vários estados; era a Pequena África da Saúde, formada por negros da Bahia, onde, sob a matriarcal proteção de Tia Ciata, se gestava o samba carioca e o moderno carnaval. Eram as estalagens cuja população podia chegar a mais de mil pessoas. O cortiço de Botafogo, descrito por Aluísio Azevedo, possuía no final mais de 400 casas e constituía uma pequena república com vida própria, leis próprias, detentora de inabalável lealdade de seus cidadãos, apesar do autoritarismo do proprietário. Aluísio, aliás, fala expressamente na "república do cortiço". Ali se trabalhava, se divertia, se festejava, se fornicava e, principalmente, se falava da vida alheia e se brigava. Porém, à menor ameaça vinda de fora, todos esqueciam as brigas internas e cerravam fileiras contra o inimigo externo. Este inimigo era outro cortiço e, principalmente, a polícia. Frente à polícia, dono e moradores se uniam, pois estava em jogo a soberania e a honra da pequena república. Cortiço em que entrava polícia era cortiço desmoralizado. É profundamente irônico e significativo que a república popular do cortiço se julgava violada, derrotada, quando lá entrava o representante da república oficial. No romance, o cortiço consegue evitar a entrada da polícia, mas na vida real, dois anos após a publicação do livro, o cortiço Cabeça de Porco seria destruído em autêntica operação militar por ordem do republicano histórico Barata Ribeiro. O governo da República destruía as repúblicas sem integrá-las numa república maior que abrangesse todos os cidadãos da cidade."
 
CARVALHO, José Murilo de; "Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi; São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
 
 

domingo, 17 de novembro de 2013

Crianças

Crianças...
São tantas...
Mas que falta me fazem as crianças...
Se são tantas,
se são tantas...
as crianças dentro de mim ?

Quando menino, ainda mofino,
um dos meus apelidos era exatamente "criança".
Foi me dado, contra à vontade, na natação juvenil da Recreativa.
Num ano em que migrei do infantil, de manhã
para o juvenil, à tarde. Enfim, progredi...
Eu era o mais novinho entre os grandões.
Fiquei todo orgulhoso nos primeiros dias...
E não é que me apelidaram, justamente, de "criança" ?

Naquele progresso da natação, e de status...não queria ser criança.
Queria ser juvenil, jovem ou adulto.
Qualquer coisa...menos criança...
Não gostava, ficava brabo, resmungava, chingava...
E quanto eu mais resmungava e gritava,
os outros nadadores, numa enorme brincadeira,
e de forma galhofeira, me chamavam:
- "Criança!"

Saía correndo contra quem falava, batia...
Corria, apanhava...
Até que me seguravam:
- "Calma criança".
E depois todos caíam na piscina...

Crianças...
São tantas...
Hoje, revivendo velhos anos...
Percebo que são tantas as crianças do meu jardim...
E ao ficar em casa nos fins-de-semana
Escuto-as...brincar...falar, rir...
Então pergunto-me:
-"Que falta me fazem as crianças...
Se são tantas, se são tantas...
as crianças dentro de mim ?"

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Carta a um amigo que realizou um sonho

CARTA A UM AMIGO QUE REALIZOU UM SONHO

Ignácio de Loyola Brandão - O Estado de São Paulo

"Caro Antônio Torres. Você não imagina o que vi há poucos dias na periferia de São Paulo, em São Miguel Paulista. Ali há uma grande praça chamada Morumbizinho. Cheia de árvores. Dessas árvores pendiam cordões, e na extremidade de cada um, um livro. E na extremidade de cada livro uma pessoa. Como se fosse um fio terra. As árvores, símbolos da vida, mantinham os livros, igualmente símbolos de vida à sua maneira. Intrigou-me a cena. Inácio Neto, um dos coordenadores da Semana Literária de São Miguel explicou: pela manhã, em um ritual, os livros são pendurados nas árvores. Cedo as pessoas se juntam à espera, correm e tomam "posse" de seu livro. Às vezes, ficam ali por horas, com breves momentos de repouso, vigilantes. A certa altura, vem a liberação, cada qual puxa seu livro e parte, amanhã haverá outro ritual. E depois, e depois.

Numa semana em que tivemos imagens repulsivas, aterradoras, melancólicas, como a da criança catando latinhas num lixão fedorento ou a reportagem de total perplexidade sobre o "rei do camarote", a cena das pessoas agarradas aos livros que desciam das árvores me emocionou. Há um Brasil diferente. Há um país desconhecido e há pessoas trabalhando para mudá-lo, caríssimo Torres. Esse Brasil você conheceu em centenas de viagens. Pena que a mídia ignore a existência da Semana Literária de São Miguel Paulista. Numa região de 400 mil habitantes, acontecem centenas de encontros, palestras, oficinas, exposições, teatro, canto. São Miguel é o lado oculto da periferia, ansiosa, criativa, querendo e oferecendo coisas. A gerir isso uma organização como a Fundação Tide Setubal. Esta imagem do ritual da colheita dos livros é que deveria ser expandida pela rede social, para as primeira páginas dos jornais: os livros tirados das árvores.

Você, Torres, eleito para a Academia Brasileira de Letras com votação quase unânime, ficaria feliz ao ver o que vi. Aos 73 anos e com 18 livros publicados, você, nascido no Junco, Bahia, chegou lá. O Junco mudou de nome, agora é Sátiro Dias. A Academia era um sonho e você conseguiu. Perdeu duas vezes, foi paciente. Perder faz parte do jogo, de todos os jogos. Agora está lá ao lado de Lygia Fagundes Telles, Nélida Piñon, João Ubaldo Ribeiro com quem viajou muito por esse Brasil, de bibocas remotas às capitais. Pena, Moacyr Scliar se foi, era de nossa geração. Estivesse vivo, João Antonio estaria feliz, ainda que, na sua encarnação limabarretiana, virasse a cara.

Falei em João Antonio porque ele, você e eu sempre fomos unidos, fizemos infindáveis viagens por este Brasil. Os três vindos de famílias humildes. Gostaria de ver João se meter em um smoking para ir à sua posse, o que é de praxe. Ou ele chegaria de chinelão à Academia e seria impedido de entrar? Fiquei feliz por você, companheiro do jornal Última Hora nos anos 60. Quantos daquela época estão vivos para comemorar?

Garotões, escondíamos nossas ambições, desejos secretos, tínhamos medo de ser ridicularizados. Por inibição, medo de sermos gozados, ficávamos em silêncio. Você foi para a publicidade, mudou-se para o Rio. Anos mais tarde, em 1972, espantei-me, quando nos encontramos no Center Três, em São Paulo, e você que me mostrou um livro, Um Cão Uivando Para a Lua. Não vi o autor, perguntei:

- É bom? Acabou de comprar?

- Não, acabei de escrever e publicar.

Surpresa, então você tinha se calado todos aqueles anos? Logo depois, nos juntaríamos a João Antonio, formando o trio que percorreu o País após a polêmica Semana Contra a Censura realizada no Teatro Casa Grande no Rio de Janeiro em 1975. Numa dessas viagens, passamos por Araraquara e meu pai te elegeu amigo. "Um grande escritor," dizia o velho Brandão. "Tem cheiro de terra." Ele prenunciava o Essa Terra, enorme sucesso? Comovido, meu pai ouviu a história de como você, dos raros alfabetizados do Junco, escrevia cartas para os que não sabiam ler nem escrever. E como lia as respostas que chegavam. "Assim ele aprendeu, assim se aprende." Meu pai, estivesse vivo, teria me ligado para comemorar a sua eleição. Você, meu amigo, tinha muita ternura por ele, assim como teve para com o próprio pai, retratado em um livro, Adeus, Velho.

Publicado em dezenas de países, agora você é acadêmico. Na cadeira de Machado de Assis e de Jorge Amado. E o que me vem neste momento é uma fala sua no encontro do Paiol Literário de Curitiba, promovido pelo jornal Rascunho: "Por que é que a gente escreve? Deve haver uma falha dentro de nós. Por que o homem cria? Primeiro, porque ele não é capaz de carregar um ser humano dentro dele. De gerar um ser humano dentro dele. As mulheres não, elas não deixam de criar por causa disso, mas acho que, no homem, há esse componente, essa diferença, essa falta. Ele não gera uma criação dentro dele, então cria outras coisas. Tem um buraco dentro dele que é preciso preencher. Tem que criar, inventar coisas e se entreter com isso. E, de outra parte, você vê o seguinte: a literatura serve muito, muito mesmo, para a gente se centrar. Enquanto você a está fazendo, está filtrando, sendo a esponja de uma atmosfera que não é necessariamente saudável. E aí é que entra o escritor como alguém incomodado, alguém desconfortável dentro do seu tempo. Todo escritor mostrou o desconforto que sente durante seu tempo. Vá ver Proust e Dostoievski, e tantos outros. Há um desconforto ali, terrível. Diante da sociedade, diante de tudo".


quinta-feira, 14 de novembro de 2013

"A Don Jayme de Aragon y Ovalle"

"Pela rua Moraes e Valle
O violão do Jayme Ovalle
Muita serenata gemeu.
Depois, mudou-se para os Arcos
E seus dedos ficaram parcos...
O violão emudeceu.

"Eu quero que você se enforque!",
Diz ele agora em Nova York,
"Não me fale do violão!"
Ai! Jayme de Aragon y Ovalle,
Ainda que o violão se cale,
Tudo em mim é recordação.

"O Couto é um sujeito cacete."
Oh! Velhas noites do Catete,
Quanta vida morta lá vai!
Miséria, média-com-pão-quente,
Madrugadas, conversa ardente
À porta da pensão Schray!

Nas Américas ou na Europa
Anda dispersa a nossa tropa.
Alguns até já Deus levou.
Companheiros da madrugada,
Já não respondem à chamada,
Mas em mim sua voz ficou.

Que em breve a nossa voz se cale,
Ó Jayme de Aragon y Ovalle,
Será natural também!
Mas enquanto a vida não passa,
Mande-me um ar da sua graça,
Se é que ainda graça você tem."
                                 (Ribeiro Couto)

Ribeiro Couto foi Embaixador do Brasil na Iugoslávia em 1949. Além disso, como muitos poetas e músicos brilhantes do Brasil daquele tempo, era também amigo do "místico". Para maiores informações sobre quem foi Jayme Ovalle, o compositor de "Azulão", e amigo de Manuel Bandeira, Vinicius de Moraes, Fernando Sabino, Gilberto Freyre, Di Cavalcanti, entre outros, recomendo uma preciosa biografia:

WERNECK, Humberto; "O Santo Sujo: a vida de Jayme Ovalle": Humberto Werneck; São Paulo: Cosac Naify, 2008.


quarta-feira, 13 de novembro de 2013

"CONHECE-TE A TI MESMO."
                                              (Sócrates)

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

DEIXA

Deixa 

Fale quem quiser falar, meu bem 

Deixa 

Deixe o coração falar também 

Porque ele tem razão demais quando se queixa

 Então a gente deixa, deixa, deixa, deixa 

Ninguém vive mais do que uma vez 

Deixa 

Diz que sim prá não dizer talvez 

Deixa 

Paixão também existe 

Deixa 

Não me deixe ficar triste

                              (Baden Powell e Vinicius de Moraes)