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sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Jack Kerouac: pé na estrada! Para onde?

Tive minha primeira aproximação com a chamada Geração Beat aos 15 anos, ao comprar o livro "O Primeiro Terço", de Neal Cassady. A capa mostrava uma foto de dois amigos abraçados, com roupas dos anos 1940. A imagem remetia a uma camaradagem. Li um pouco e me impressionei, apesar de mal escrito. Eram adultos loucos que viajavam pelas estradas dos EUA, bebiam, pegavam carona e quebravam regras. Nos dias de hoje, 30 anos depois, vejo muitos livros da etílica e errante Geração Beat em bancas de jornais, como os Vagabundos Iluminados, Tristessa, Howl e Uivo. Há um boom de publicações daquela turma, quase todos pela Editora L&PM. Parece que depois de um tempo, as novas gerações lançam um novo olhar para o passado e ressignificam os movimentos culturais: Geração Perdida (anos 20), Geração Beat (anos 40), Beatles (anos 60), Hippies (anos 70).

Jean-Louis Lebris de Kerouac (1922-1969), o cara que está ao lado de Neal Cassady na foto do livro ordinário que comprei na adolescência, é o autor de On the road, seu livro mais famoso e de outros tantos. Morreu aos 47 anos, de uma hemarrogia estomacal, causada pela ingestão excessiva de álcool ao longo da vida errante. Complicado, introvertido, Jack precisava da bebida para se soltar. Apesar de tímido e desajeitado, teve relações sexuais com inúmeras mulheres e, embora tenha tido sucesso em vida (graças ao empenho de seu amigo Allen Ginsberg), viveu e morreu como um vagabundo. Cruzou os EUA varias vezes de carro e retratou a imensidão da América, sua geografia, as estradas, os tipos e a vida suburbana. Todavia, foi incapaz de dirigir de modo responsável a própria vida. Casou-se três vezes (a primeira quando estava preso e a última porque buscava uma cuidadora, e não uma esposa) e não parava em lugar nenhum, sempre tentando fugir de algo. Além disso, foi dominado pela mãe, que o sustentou a vida inteira

Estamos acostumados a ver imagens idealizadas da Geração Beat, até mais por desenhos do que fotos. Vemos quadrinhos vintage em lojas de roupas ou bares da moda em que se evoca uma juventude americana livre e independente dos anos 50. Uma estrada deserta com um carro passando, um posto de gasolina, uma placa da Coca-Cola e o caminho para o oeste, para a Califórnia. Uma América aberta, pronta para ser desvendada. Beats viajando de carro com alegria e determinação. Às vezes parando em bares na beira da estrada ou em cidadezinhas, ouvindo jazz, curtindo festas, fazendo sexo e retornando à estrada no dia ou na semana seguinte, a depender da ressaca e do curto dinheiro no bolso. Depois que os mitos se formam, é difícil saber o que foi inventado e o que foi realidade. Ao ler a biografia  "Jack kerouac - king of the beats", Barry Miles, tradução Roberto Muggiati, Cláudio Figueiredo, Beatriz Horta, Rio de Janeiro: José Olympio, 2012, 420 p. conclui-se que a Geração Beat, apesar de só ficar conhecida a partir de 1957, com a publicação de On the road, teve seu melhor momento nos anos 1940, assim como o jazz. "On the road inspirou muitos jovens a colocarem o pé na estrada, mas, quando o livro saiu, as estradas tradicionais que Kerouac descreve estavam sendo rapidamente substituídas por supervias". A Geração Beat foi confundida com a Juventude transviada de James Dean. Além disso, chega-se à conclusão que, embora Kerouac fosse um bom escritor, nunca chegou a ser um adulto, mas um eterno adolescente (com temas da juventude). Mais do que tudo, a biografia serve para desmistificar a figura de Kerouac como um herói romântico

A brilhante biografia de Barry Miles tenta fazer duas coisas. Primeiro, examinar como um cara tímido, nervoso e problemático como Kerouac veio a se tornar um ícone cultural, "o símbolo da atitude cool dos anos 1950, uma figura arrebatadoramente romântica na América conformista". A segunda, examinar se os livros que escreveu contam, de fato, a história verdadeira de sua vida. O leitor verá que na busca por essas respostas, Miles penetra na vida psicológica do biografado. Não é difícil perceber que Jack Kerouac tinha uma divisão de personalidade, uma divisão interna dentro dele que o acompanhou por toda a vida e nunca conseguiu resolver de forma satisfatória. Um lado era mais introvertido, intelectual, que criticava o "american way of life" e o outro lado era o másculo jogador de futebol, o marinheiro e o companheiro de cerveja. Já no final dos anos 50 e início dos 60, dominado pela mãe e influenciado por suas ideias conservadoras (chegou a defender o Macarthismo), ele escolhe o segundo lado e exclui os amigos intelectuais e acadêmicos.

Segundo o biógrafo, a obra de Kerouac situa-se num limbo entre a ficção e a memória. Por um lado, não se encaixa no gênero ficção porque não há enredo, nem desenlace e, como os personagens são reais, não há o desenvolvimento livre e criativo de um romance. Por outro lado, seus livros também não se encaixam no gênero memória, pois os nomes dos seus amigos e conhecidos foram trocados. Além disso, embora as narrativas sejam baseadas em fatos reais, contêm os exageros típicos da personalidade de Jack e o fato de ele escrever sob o efeito de benzedrina, uma droga usada na época. De qualquer modo, "Kerouac é importante pela qualidade de sua prosa, que, com frequência, é esplêndida, e também por sua visão grandiosa da América". Sobre o ofício de escritor, é de se ressaltar que a prosa espontânea (um método de escrever solto, em um fluxo de consciência, sem retocar o texto depois) nem sempre funcionava. Funcionou em On the road e também com o livro The Subterraneans. Mesmo assim, criou-se muita lenda a respeito disso. A biografia demonstra que o próprio livro On the road foi revisado e alterado algumas vezes.

Nascido em Lowell, Massachusetts, Kerouac tinha orgulho dos ancestrais remotos da Bretanha e sua herança celta, o que explica sua eloquência e gosto em contar longas histórias. Seus ancestrais mais próximos eram plantadores de batata no Canadá. Seu pai tinha uma gráfica na cidade e era uma figura conhecida, embora não muito querida: baixo, troncudo, verborrágico, cheio de opinião, intolerante "um peixe grande em um pequeno aquário". Filho caçula de três irmãos, Jack Kerouac perdeu o irmão mais velho, Gerard (o xodó), quando tinha apenas 4 anos de idade. Não soube lidar com a tragédia e carregou uma culpa que não era sua pelo resto da vida. Assim, ele "aprendeu sobre sofrimento e morte antes de aprender a ler". Foi criado na tradição católica jansenista, no meio de um ambiente paroquial com imagens da virgem Maria. E "recebeu uma dose maciça de culpa católica em relação a sexo. (...) Ensinaram a Jack que o corpo era mau, que até mesmo tocar no órgão sexual no banho era pecaminoso, e ter uma ereção era quase a garantia do caminho direto para o inferno". Essa educação contribuiu para que ele formasse a dicotomia moças respeitáveis e prostitutas. Se no começo da vida adulta ele teve relações sexuais e afetivas saudáveis com as mulheres, mais tarde, tratava-as de modo brutal e egoísta. Com o tempo, revelou-se um homem conservador, machista e misógino.

Uma das melhores coisas do livro é a apresentação dos primeiros integrantes da Geração Beat, nos anos 1940, ao redor da Universidade de Columbia, em Nova York: Jack Kerouac, Henri Cru, Eddie Parker, Joan Vollmer, Lucien Carr, Hal Chase, Céline Young, Allen Ginsberg e William Burroughs. Era uma turma que se formava aos poucos ao redor da universidade e dos bares descolados, como o West End Bar e mais tarde o Angle Bar. Na vitalidade da juventude, um apresentava o amigo ao outro e a turma foi se formando naturalmente, aos poucos. É incrível saber como haviam mulheres liberadas sexualmente nos anos 1940, talvez influenciadas pela atmosfera da guerra, que fazia germinar uma mentalidade de que não houvesse amanhã.

Por vezes, o autor faz algumas abordagens psicológicas que parecem certeiras, como a relação doentia e edipiana que o masoquista Jack Kerouac mantinha com sua mãe, Gabrielle. O filho, sem conseguir resolver seus problemas internos, sabotava a si próprio em um movimento autodestrutivo. E, quando se via em apuros, corria para a casa da mamãe (a partir de certa altura designada somente por "memere" pelo biógrafo). Segundo Miles, na década de 1930 já é possível perceber a obsessão de Jack Kerouac pela mãe e dela por ele, que seguiu até sua morte, o que somente trouxe problemas para ele e o seu entorno. Ao adotar uma perspectiva freudiana, o biógrafo sugere que uma combinação de fatores levou Jack a substituir Gerard como o favorito da mãe e a ocupar o lugar que antes fora do pai. É triste constatar que um cara aventureiro como Kerouac tenha se deixado dominar pela mãe e, no final da vida, morrido sentado no sofá, assistindo televisão. Mas ele teve a vida que quis e conseguiu realizar seu maior sonho: escrever e publicar seus livros!

Para traçar um panorama mais real do escritor beat, nada como dar voz às mulheres com quem conviveu, como Carolyn Cassady. Ela era a mulher de Neal, grande amigo de Kerouac. Neal e Carolyn tinham um padrão de relacionamento doentio, muito causado pela personalidade do marido, que chegava a abandonar mulher e filha para cair na estrada e gastar todas as economias, tudo pela agitação e pelo prazer de buscar novas sensações. Neal era um homem irresponsável, promíscuo e manipulador. Apesar de tudo, ou exatamente por causa disso, era adorado por Kerouac, que o imortalizou como Dean Moriarty, um mulherengo e ladrão de automóveis. Sobre Jack Kerouac, Carolyn Cassady conta que tudo o que ele queria era "um lar e filhos e um quintal com uma cerca e uma caminhonete na garagem. Ansiava por isso desesperadamente e, à medida que o tempo foi passando, começou a se dar conta de que nunca conseguiria lidar com a responsabilidade que isso tudo acarretava. Sua vida inteira tinha a ver com a ideia de uma fuga [...] Ele era tão sonhador. Era uma fuga o tempo todo".



sexta-feira, 18 de agosto de 2017

1987/1988: segredos da Constituinte

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Lá se vão 30 anos da Constituinte, momento marcante da redemocratização. O livro 1988: segredos da Constituinte. Os vinte meses que agitaram e mudaram o Brasil, Luiz Maklouf Carvalho, Rio de Janeiro: Record, 2017, 503 páginas, propõe-se a contar um pouco dos trabalhos que resultaram na promulgação da nossa atual Constituição da República. Várias dúvidas assaltavam os deputados e senadores constituintes, no total de 559. Assembleia Constituinte exclusiva ou Congresso Constituinte que continuasse a funcionar? Presidencialismo ou parlamentarismo? Mandato de 4 ou 5 anos para o Sarney? Viés socialista ou liberal? Reforma agrária ou não? Qual o tamanho que o Estado deve ter? Essas e outras questões foram temas de debates acalorados e votações no período de 1º/02/1987 até 5/10/1988. Maklouf Carvalho propôs-se a contar essa história pela voz de seus participantes diretos. São 44 entrevistas, a maioria com constituintes, como Bernardo Cabral, Fernando Henrique Cardoso, José Fogaça, Antônio Britto, José Lourenço, Nelson Jobim, Benito Gama e Ibsen Pinheiro. Para encarar a empreitada e refrescar a memória dos entrevistados, o autor estudou a bibliografia a respeito, os anais da Constituinte e o que saiu na imprensa escrita no período.

Logo que assumiu a presidência, em 1985, Sarney tinha seis anos de mandato e resolveu abrir mão de um, propondo cinco, em um pronunciamento na televisão. No livro, ele explica o porquê dessa decisão. Os constituintes brincam que foi a pior propaganda que alguém já fez, pois a população entendeu que ele quis estender um ano a mais. Para complicar, Mário Covas e Ulysses Guimarães, dois caciques que mediam forças, estavam de olho na próxima disputa presidencial e houve a proposta do mandato de quatro anos. Armou-se a confusão. Os depoimentos revelam que esse debate da duração do mandato prejudicou muito os trabalhos. O presidente Sarney teve uma boa postura e não se meteu na Constituinte, com exceção dessa questão, quando usou toda sua força política e a máquina, via concessões de rádio e televisão, para fazer prevalecer os cinco anos. O Saulo Ramos era sua voz e o ACM era o que negociava e concedia os favores. Por outro lado, também é relatado que o Brasil quase adotou o parlamentarismo como sistema de governo, uma vez que vários lideres concordavam. Somente não o fez pela negativa do Mário Covas, líder do PMDB na Constituinte. Isso revela não só um personalismo absurdo, como também explica a esquisitice atual das medidas provisórias, sistema mais afeito ao parlamentarismo.

A Constituinte não teve ponto de partida, começou do zero. Era um livro em branco. Tudo era possível. Para muitos, isso foi um complicador, porque atrasou os trabalhos. Para outros não tinha jeito, porque tínhamos acabado de sair de um regime autoritário. Bem por isso, não se aceitou o modelo da Constituição de 1946, nem o projeto feito pela Comissão dos Notáveis. Uma vez iniciada, a Constituinte foi composta por oito comissões, cada qual com três subcomissões. E mais a Comissão de Sistematização, cuja relatoria coube ao Bernardo Cabral, que costurou tudo. Dono de uma índole paciente e conciliadora, ele ouvia todos os lados e fazia de conta que concordava com todo mundo. Nelson Jobim assim resumiu: "O Bernardo tem uma característica. Tu fala com ele e sai convencido de que ele vai fazer tudo que tu pedir". Para alguns isso foi bom, pois como disse Fernando Henrique, "a Constituição é um pacto. E ele é uma pessoa que pactuava. Uma vez o Felipe González [primeiro ministro da Espanha entre 1982 e 1996] disse uma coisa que é verdade: toda boa Constituição tem que ser ambígua, como a Bíblia. Porque tem que dar margem a interpretações diversas". 

É revelado que, no início, a Constituinte teve uma diretriz mais à esquerda, principalmente porque coube ao Covas nomear os Relatores das comissões e subcomissões. Nessa primeira fase houve uma ampla participação da sociedade, em que vários setores foram ouvidos, inclusive por meio das emendas populares. Há relatos de que foi uma festa cívica! Todavia, no final de 1987, inicia-se uma segunda fase, em que o Centrão, composto por forças conservadoras, organizou-se, conseguiu mudar o regimento e passou a contrapor-se às ideias mais progressistas, como a reforma agrária. Havia um medo de que a propriedade privada fosse extinta e de uma eventual "sovietização" do país. Alguns depoimentos lembram o contexto histórico em que foi elaborada a Constituição, no final da guerra fria, antes da queda do muro de Berlim. E nem a esquerda nem a direita tinham força suficiente para impor sua vontade. Logo, era preciso convergir para um acordo, uma composição. Esse jogo de forças explica os motivos pelos quais há elementos tantos de um Estado Socialista quanto de um Estado Liberal na Constituição. 

O que emerge de mais relevante é que, com todos os seus defeitos, temos uma boa Constituição, que organizou um Estado Democrático, um regime republicano e com sólidas instituições. Trata-se de uma Constituição avançada e progressista em termos de direitos individuais e sociais, inclusive um sistema de saúde universal e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Por outro lado, a Constituição destinou-se a assegurar fatias de mercado e condições de poder a corporações públicas e privadas e a entidades estatais e paraestatais. Os setores mais organizados do Estado e da sociedade trataram de garantir sua parte, seu quinhão. Houve lobbies fortíssimos, de vários setores, como a Rede Globo, Colégio Objetivo, Ministério Público, Magistratura, Petrobrás, Eletrobrás, Comgás, Polícia Civil, Polícia Militar, proprietários de terras etc. O jurista Carlos Ary Sundfeld, conta ter descoberto que um dos segmentos mais organizados da sociedade eram associações profissionais. O jurista Joaquim Falcão confirma que houve lobbies muito fortes e emenda: "[a] história confirmou que o mal do país é o corporativismo, público e privado".
 
Não é um livro de direito, mas ajuda a entender como a Constituição foi elaborada, inclusive com técnicas de redação para contornar os chamados "buracos negros", isto é, quando havia um impasse. A saída era colocar "na forma da lei" e postergar a solução para o futuro. Também não é uma obra de política, mas deixa claro como ela é feita, com o "toma lá dá cá", a troca de favores etc. O leitor percebe que a política se faz nos bastidores, nos almoços, nas conversas nas casas dos políticos, nos conchavos... Há namoros, cortejos, vaidades e também há vinganças, ressentimentos e retaliações dignas de uma obra shakespeariana. Há partes bem engraçadas, principalmente pelo tom informal. O livro não é completo porque muitos constituintes importantes já morreram, casos de Ulysses Guimarães, Mário Covas, José Richa, Roberto Cardoso Alves, Affonso Arinos, Jarbas Passarinho, Severo Gomes e Antônio Carlos Magalhães. Faltaram entrevistas importantes, como dos juristas José Afonso da Silva e Fábio Konder Comparato, ainda vivos. De toda forma, é uma bela contribuição para resgatar a memória do período e ajudar a entender como foi elaborado o documento que organizou a República Federativa do Brasil e, por meio de seus representantes, colocou no papel as aspirações do povo brasileiro.

quarta-feira, 24 de maio de 2017

Futuro junho

Dentre tantos gêneros, o Brasil vem assistindo a um aumento significativo de produções de documentários. "Futuro junho", de Maria Augusta Ramos, propõe-se a refletir sobre o Brasil atual, mais especificamente no que toca à economia e à sociedade. É um olhar sobre o setor produtivo, as relações de produção, de mercado e as engrenagens de um sistema capitalista cruel e torto que tem que conviver com uma democracia ainda incipiente.

Para montar seu quadro da realidade urbana paulistana, a diretora escolheu uma pessoa do mercado financeiro, um metalúrgico, um metroviário e um office-boy. Houve quem criticasse essa escolha. Trata-se de uma escolha representativa da cidade de São Paulo. Conforme disse a diretora em uma entrevista: "Depende muito dos personagens, mas, de qualquer maneira, é sempre um recorte. Coloco na tela o que vivencio. É um recorte subjetivo, meu. Não tenho a pretensão de dizer que estou sendo objetiva. Não faço jornalismo nos meus filmes".

O documentário é construído do ponto de vista dos personagens. Quatro visões de mundo que emergem do mundo do trabalho, principalmente do ponto de vista do trabalhador assalariado. O contexto histórico diz respeito ao período que antecedeu a Copa do Mundo de 2014. Assim, mostra as manifestações de junho de 2013, em que grande parte da população, indignada com os gastos públicos, a alta tributação e a baixa qualidade dos serviços públicos, saiu às ruas para pedir educação e saúde padrão FIFA, entre outras demandas. Retrata também a greve dos metroviários em São Paulo, a truculenta repressão da polícia militar do Estado de São Paulo (governo Alckmin) e o julgamento no TRT, com o voto do desembargador dizendo que a greve foi ilegal. O filme nos faz refletir: como é possível fazer uma greve eficaz, se o metroviários são obrigados a manter 100% do efetivo nos horários de pico do metrô e 70% nos outros horários? Significa o mesmo que, na prática, negar o direito de greve.

Em junho de 2014, após uma greve dos metroviários em São Paulo, 38 ou 42 funcionários do metropolitano foram demitidos. Durante a greve houve repressão da polícia militar. O governador Geraldo Alckmin jogou duro. Após as demissões houve campanha pela reintegração dos funcionários demitidos. Há questões como, a quem interessa que o metrô de São Paulo fique superlotado? Embora também tenha capital público, o metropolitano é uma sociedade de economia mista. A direção do metrô busca o lucro, mas planeja mal a expansão, o que implica em um elevado número de usuários por metro quadrado nos horários de pico. Resultado: os cidadãos usuários do metrô são tratados como gado.

 Os documentários de Maria Augusta são caracterizados por tomadas do cotidiano, enfocando geralmente relações do trabalho e seu entorno. Vê-se, portanto, tanto o metalúrgico trabalhando no chão de fábrica, como também em sua hora de folga, com a família. É praticamente uma sociologia do trabalho por meio do cinema. As imagens são secas, duras, sem retoques, de um realismo do cotidiano, o que pode parecer ora impactantes e ora sugestivas. E quase sempre com uma demora que nos faz questionar o mundo em que vivemos. Só por isso já vale à pena! O documentário mostra o dia a dia dos personagens, com os quais nos identificamos. Há um clima de insatisfação que coexiste com a continuidade da rotina, da história, da vida...