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quarta-feira, 24 de maio de 2017

Futuro junho

Dentre tantos gêneros, o Brasil vem assistindo a um aumento significativo de produções de documentários. "Futuro junho", de Maria Augusta Ramos, propõe-se a refletir sobre o Brasil atual, mais especificamente no que toca à economia e à sociedade. É um olhar sobre o setor produtivo, as relações de produção, de mercado e as engrenagens de um sistema capitalista cruel e torto que tem que conviver com uma democracia ainda incipiente.

Para montar seu quadro da realidade urbana paulistana, a diretora escolheu uma pessoa do mercado financeiro, um metalúrgico, um metroviário e um office-boy. Houve quem criticasse essa escolha. Trata-se de uma escolha representativa da cidade de São Paulo. Conforme disse a diretora em uma entrevista: "Depende muito dos personagens, mas, de qualquer maneira, é sempre um recorte. Coloco na tela o que vivencio. É um recorte subjetivo, meu. Não tenho a pretensão de dizer que estou sendo objetiva. Não faço jornalismo nos meus filmes".

O documentário é construído do ponto de vista dos personagens. Quatro visões de mundo que emergem do mundo do trabalho, principalmente do ponto de vista do trabalhador assalariado. O contexto histórico diz respeito ao período que antecedeu a Copa do Mundo de 2014. Assim, mostra as manifestações de junho de 2013, em que grande parte da população, indignada com os gastos públicos, a alta tributação e a baixa qualidade dos serviços públicos, saiu às ruas para pedir educação e saúde padrão FIFA, entre outras demandas. Retrata também a greve dos metroviários em São Paulo, a truculenta repressão da polícia militar do Estado de São Paulo (governo Alckmin) e o julgamento no TRT, com o voto do desembargador dizendo que a greve foi ilegal. O filme nos faz refletir: como é possível fazer uma greve eficaz, se o metroviários são obrigados a manter 100% do efetivo nos horários de pico do metrô e 70% nos outros horários? Significa o mesmo que, na prática, negar o direito de greve.

Em junho de 2014, após uma greve dos metroviários em São Paulo, 38 ou 42 funcionários do metropolitano foram demitidos. Durante a greve houve repressão da polícia militar. O governador Geraldo Alckmin jogou duro. Após as demissões houve campanha pela reintegração dos funcionários demitidos. Há questões como, a quem interessa que o metrô de São Paulo fique superlotado? Embora também tenha capital público, o metropolitano é uma sociedade de economia mista. A direção do metrô busca o lucro, mas planeja mal a expansão, o que implica em um elevado número de usuários por metro quadrado nos horários de pico. Resultado: os cidadãos usuários do metrô são tratados como gado.

 Os documentários de Maria Augusta são caracterizados por tomadas do cotidiano, enfocando geralmente relações do trabalho e seu entorno. Vê-se, portanto, tanto o metalúrgico trabalhando no chão de fábrica, como também em sua hora de folga, com a família. É praticamente uma sociologia do trabalho por meio do cinema. As imagens são secas, duras, sem retoques, de um realismo do cotidiano, o que pode parecer ora impactantes e ora sugestivas. E quase sempre com uma demora que nos faz questionar o mundo em que vivemos. Só por isso já vale à pena! O documentário mostra o dia a dia dos personagens, com os quais nos identificamos. Há um clima de insatisfação que coexiste com a continuidade da rotina, da história, da vida...