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segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Celso de Mello

Em agosto de 1989, quando Celso de Mello ingressou no Supremo Tribunal Federal, José Sarney era o presidente da República, a Constituição atual tinha apenas um ano de vida, o Brasil era assombrado pela inflação e ainda tentava consolidar um período de redemocratização. Depois de 21 anos de Ditadura Militar, o país preparava-se para sua primeira eleição presidencial. Os candidatos eram muitos, entre eles Aureliano Chaves, Leonel Brizola, Mário Covas, Paulo Maluf, Ronaldo Caiado, Roberto Freire, Ulysses Guimarães, Guilherme Afif Domingues, Luís Inácio Lula da Silva e Fernando Collor.

Naquela época, eu prestava vestibular para o curso de Direito, fazia cursinho no Anglo, ouvia Cazuza e Legião Urbana e sonhava que iria mudar o mundo. 31 anos depois, nesse mês de outubro de 2020, quando Celso de Mello sai do STF, pela aposentadoria compulsória, depois de bons serviços prestados, eu já tenho 49 anos, alguns tombos da vida que deixaram cicatrizes, duas faculdades, 13 anos como servidor público e uma noiva que amo de paixão. E o Brasil, o que mudou?  

Quando Celso de Mello foi nomeado ministro, o Supremo Tribunal Federal era um ilustre desconhecido. A grande maioria do povo não sabia para que servia. Ainda vigorava uma legislação arcaica que, paulatinamente, foi sendo substituída e modernizada junto com o Estado e a sociedade brasileira. Ainda estava em vigor o Código Civil de 1916, o Código Comercial de 1850, o Estatuto da Mulher Casada e não existia o arcabouço legislativo atual (ECA, Código do Consumidor, Lei 8.666/1993, Lei dos Crimes Hediondos, Lei da Ficha Limpa etc). O Brasil era outro. As músicas tocadas na rádio eram dos Titãs, Legião Urbana, Paralamas do Sucesso e Cazuza. De lá pra cá muita coisa mudou; algumas coisas pra melhor, outras pra pior. Enquanto Celso de Mello ficou 31 anos no STF, muitos ministros ingressaram e já se aposentaram, sendo que dois morreram no exercício do cargo: Menezes Direito e Teori Zavascki.

José Celso de Mello Filho nasceu em 1945 na cidade de Tatuí/SP, onde estudou, tendo completado o curso colegial nos Estados Unidos, onde se graduou na Robert E. Lee Senior High School, em Jacksonville, Flórida (1963/1964). Formado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade de São Paulo em 1969, prestou concurso público, tornando-se Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo em 1970. Após passar por diversas comarcas e angariar extensa experiência, foi chamado pelo então ministro da Justiça, o advogado Saulo Ramos, para assessorá-lo em Brasília. Em 1989, foi nomeado ministro do STF, quando então pediu exoneração do MP paulista. Discreto, raramente concede entrevistas, o que é uma qualidade valiosíssima para um integrante da Suprema Corte. Nunca buscou os holofotes.

Já como ministro do STF, construiu uma sólida carreira como magistrado da excelsa Corte. Ficou conhecido não somente por seus votos longos e didáticos, mas também por suas ideias progressistas. Os votos de Celso de Mello representam imensa contribuição para o aperfeiçoamento da jurisprudência constitucional do STF após a Constituição Federal de 1988 e têm servido de base para a construção de novas linhas de pensamento na doutrina, sobretudo no campo do Direito Público, especialmente no tocante ao controle, pelo Poder Judiciário, da legalidade dos atos administrativos e da constitucionalidade dos atos parlamentares. Defensor incansável dos direitos e garantias fundamentais, foi um guardião da Constituição Federal. Vai deixar saudades. E vai deixar uma lacuna que dificilmente será preenchida.

terça-feira, 6 de outubro de 2020

As moradas do castelo interior

Há livros que não perdem a atualidade. As moradas do castelo interior, Teresa de Ávila; tradução Antonio Fernando Borges, É  Realizações, 2014 é um deles. Esse livro atemporal, escrito no século XVI, no crepúsculo da Idade Média é um convite à vida interior e à comunhão com Deus. Tal jornada demanda um longo caminho; na verdade, nos convida a entrar nesse castelo interior que cada um de nós guarda dentro de si. Teresa se vale de uma metáfora: nossa alma é um castelo composto de muitos aposentos. Jesus não disse, "há muitas moradas na casa de meu Pai"? Muitas coisas existem tanto no plano material quanto no plano espiritual, por isso que rezamos no Pai-Nosso "assim na Terra como no Céu". Desse modo, assim como há muitas moradas na casa do Senhor, há muitas moradas dentro do nosso castelo interior. E Teresa de Ávila nos ensina como adentrar nesse castelo e nos aproximar de Deus. 

Teresa de Cepeda y Ahumada nasceu em Àvila, na Espanha, em 1515. Com a morte de sua mãe, entrou para o convento das Agostinianas. Em 1532, recebeu a primeira aparição do Senhor. Fez parte da Ordem das Carmelitas descalças. Viajava com frequência. Orou e escreveu muito em sua vida, deixando as "Obras Completas". Cheguei à este livro por indicação de vídeos no You Tube, de duas pessoas que admiro: Haroldo Dutra Dias, palestrante espírita, e Frei Betto. Ambos ressaltam a pureza de Santa Teresa e o grande valor espiritual e literário de sua obra.

Teresa de Ávila, com sua escrita inspirada, nos conta que são 7 as moradas do castelo interior. Em primeiro lugar, para adentrar o castelo, é preciso fazer um recolhimento, é preciso meditação e oração. Noto que, nesses tempos de redes sociais, é necessário deixar um pouco o celular de lado e se dedicar alguns minutos à meditação diária. De uma maneira geral, as três primeiras moradas são as mais difíceis, requerendo esforço pessoal e persistência. A quarta morada é intermediária, onde aprende-se a amar. Não se pode pensar ou racionalizar muito, mas amar a Deus sobre todas as coisas. E depois, amar ao próximo como a si mesmo. As últimas moradas são um pouco mais fáceis, mas requerem concentração e propósito. Trata-se de um clássico da espiritualidade.