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terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

Razão para viver

Viktor E. Frankl teve muito a dizer. Não só por conta de seus estudos de psiquiatria e psicologia na Viena de Freud, mas também pelas suas experiências pessoais e coletivas. Prisioneiro de guerra, ele conta sua experiência em quatro campos de concentração nazista. Frankl narra o sofrimento dos judeus na Segunda Guerra Mundial, com todas as letras e de forma consciente. Eu nunca havia lido um relato tão detalhado sobre a rotina de um prisioneiro num campo de concentração. Já havia assistido a filmes, como a Lista de Schindler, o Resgate do Soldado Ryan e A vida é bela, apenas para ficar nos mais famosos. Aqui, porém, o mergulho é mais realista e convida o leitor a reflexões sobre a dor, o sofrimento, a insanidade e o sentido da existência humana.

O relato da chegada do trem em Auschwitz é muito impactante. Assim como os primeiros dias, a seleção dos prisioneiros (quem ia trabalhar e quem ia para a câmera de gás), a fome, a apatia, as humilhações, as condições sub-humanas a que os judeus eram submetidos, o medo dos prisioneiros, a tensão pela sobrevivência, as mortes, o escárnio dos soldados alemães, o sadismo dos guardas, a inspeção dos alojamentos, os castigos, os trabalhos forçados, o caminho até a plantação, os sonhos dos prisioneiros e uma variedade enorme de detalhes são narrados por Frankl. O autor escreveu o livro em 1945, ao longo de apenas nove dias. Muito provavelmente ele sentiu a urgência de escrever enquanto seu ser estava impregnado com aquela experiência terrível e antes que sua memória se esvaísse. Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração; Viktor E. Frankl, traduzido por Walter O. Schlupp e Carlos C. Aveline, 48.ed. - São Leopoldo: Sinodal; Petrópolis: Vozes, 2019, é um livro dividido em 3 partes: 1) Em busca de sentido, onde é contada sua experiência no campo de concentração; 2) Conceitos fundamentais de logoterapia e 3) A tese do otimismo trágico. O livro tornou-se um clássico da psicologia e um best-seller internacional.

Para que continuar vivendo em um ambiente desses? Por que não cometer suicídio, como muitos prisioneiros fizeram? Por que a vida tem um sentido. Toda vida tem um sentido. Único. A razão pode ser um filho, uma esposa, um marido, uma mãe, um pai ou alguém que lhe seja especial. Também pode ser um trabalho, um dom, uma obra inacabada, um serviço para o bem ou inúmeras outras coisas. A vida tem sentido. Você só precisa encontrá-lo. Nenhuma vida é sem sentido. A vida é o bem mais precioso que um ser humano tem. Podem lhe tirar tudo, a casa, o trabalho, o dinheiro, a família e até a liberdade, mas ainda sim o prisioneiro conserva a vida. As pessoas com mais força interior conseguem conservar a dignidade e essa chama divina chamada esperança. A vida nos foi dada com percalços e pedras no caminho. Nem tudo são flores. São espinhos também. E a vida não é só o resultado do meio, das condições físicas, econômicas e psicológicas em que a pessoa vive. Mesmo vivendo em condições terríveis, remanesce na pessoa, no fundo do seu ser, uma liberdade interior capaz de optar, a cada hora, a cada segundo, se deseja progredir ou regredir na escala evolutiva; se deseja dar uma palavra de conforto ao seu colega que sofre ou fechar a cara e chutar as pedras do chão; se deseja manter a luz da esperança ou se entregar ao desânimo e ao desespero. Há sempre opção. Há sempre uma escolha na forma como encaramos a vida, mesmo nas condições mais miseráveis. Viktor Frankl, por pura sorte, escapou da morte mais de uma vez. Uma vez poupado, escolheu viver. Resistiu. Sobreviveu ao horror. Foi libertado. Recuperou-se, voltou a lecionar e a escrever, dedicando-se à nobre tarefa de não somente prevenir suicídios, mas ajudar as pessoas a encontrar um propósito para suas vidas.