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quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Bambi - Felix Salten


"Viver é melhor que sonhar", mas também "há perigo na esquina" escreveu Belchior na música "Como nossos pais". De fato, o perigo é uma realidade para todos os viventes. É preciso cuidado para nos aventurarmos em certos terrenos da vida. Às vezes precisamos prestar atenção, fazer silêncio e apurar os ouvidos. O livro Bambi é sobre um cervo e o ciclo da vida na floresta. Felix Salten, o autor austríaco, narra desde o nascimento do protagonista até sua vida adulta. A primeira metade do livro, publicado pela primeira vez em 1923, centra-se na fragilidade de um recém-nascido, suas descobertas, a relação com a mãe, a perda da inocência e o amadurecimento.

A floresta surge como um abrigo protetor. O livro descreve uma inocência de Bambi na infância. No começo, ele não sabe nada. É ingênuo e curioso. Faz muitas perguntas para sua mãe. À certa altura, a mãe de Bambi responde para ele porque estão mais seguros dentro da floresta, e não no campo: "- Porque os arbustos nos protegem, porque os galhos chiam nas árvores, porque os gravetos estalam no chão e nos avisam e a folhagem dos anos passados espalhada farfalha para nos dar um alerta... porque as gralhas e os pica-paus mantêm a vigilância e porque com isso sabemos de longe quando alguém está se aproximando..."

Transformada em filme animado por Walt Disney em 1942 (em plena Segunda Guerra Mundial), a estória ganhou o mundo. Só que o filme é uma versão infantilizada do texto original. Introduz a figura do coelho "Tambor" (inexistente no livro); faz crer que a passagem da infância para a vida adulta do protagonista se dá como num passe de mágica e, por fim, silencia totalmente sobre Gobo, personagem chave para entender a moral do livro. 

Esqueçam por ora o desenho de Walt Disney, que tem seu inegável encantamento e já colheu seus louros. O livro "Bambi - uma história de vida na floresta", de Felix Salten, com tradução de Christine Röhrig e ilustração de Nino Cais, que saiu pela Editora Cosac Naify é uma grata surpresa. O texto de Felix Salten é mais profundo e merece ser lido com toda atenção. Descreve a natureza, a passagem das estações, a vida dentro da floresta, a variedade de plantas, bichos e pássaros e, evidentemente o perigo. O homem, com sua espingarda que cospe fogo (sua terceira mão, na visão de alguns bichos da floresta), surge como um intruso, como uma ameaça à vida selvagem. O homem é designado por "Ele" pelos animais. O perigo é nomeado. "Ele" tem um cheiro horrível e mata os animais. Toda a estória é narrada do ponto de vista dos bichos. O narrador entra no mundo deles e nos dá conta de uma vida na floresta ao mesmo tempo cruel e generosa, com nuances, com matizes.

Apesar de o mundo ter mudado muito de 1923 para cá, o livro continua atual. Hoje em dia, com a televisão digital e as TVs a cabo, os smartphones e seus aplicativos, a internet, os "games" e os condomínios fechados, os perigos são outros. É preciso prestarmos atenção para não sermos domesticados. Mais do que nunca, vivemos um tempo em que o homem precisa aprender a ficar só às vezes, se desconectar, ler um bom livro e meditar na vida. Você não sabe ficar só? Boa hora para rever uma das estórias mais conhecidas do cinema de um diferente ponto de vista, o original, onde tudo começou. Boa leitura em companhia de Bambi e do velho príncipe!