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domingo, 28 de abril de 2024

Brasília & Juscelino - um caso de amor

 

O livro Brasília Kubitschek de Oliveira, Ronaldo Costa Couto, 6ª edição, rev. - Rio de Janeiro: Record, 2010 conta a história de como Brasília foi idealizada, concebida e construída. Também narra a vida do presidente que foi o responsável por colocá-la de pé: Juscelino Kubitschek de Oliveira, nascido em Diamantina/MG. Não é propriamente uma biografia de JK, mas traz informações sobre sua formação e trajetória política.

A cidade de Salvador, na Bahia, foi a primeira capital do Brasil, entre 1549 e 1763. Ainda era o Brasil Colônia. Naquele tempo, por conta da economia açucareira, o nordeste tinha grande destaque. Posteriormente, devido ao deslocamento do eixo do desenvolvimento do nordeste para o sudeste, o Rio de Janeiro passa a ser a capital do Brasil entre 1763 e 1960.

A ideia de tirar a capital do Brasil do Rio de Janeiro, segundo o autor, já vinha de longe, desde a Inconfidência Mineira, sendo que "[n]os  planos da Conjuração, que não se completaram, estavam a Independência (só vinda em 1822), a República (só proclamada em 1889) e também a nova capital: a vila de São João Del Rei. Os inconfidentes, como se sabe, foram descobertos pelos portugueses, severamente punidos e o sonho de um Brasil mais independente, republicano, justo e solidário foi adiado.  

O tempo passou... Já no século XX, sob o período político que vai de Getúlio a Castello, pergunta-se: por que JK decidiu construir a capital do Brasil em pleno sertão goiano? Juscelino concordava com o diagnóstico do historiador Frei Vicente de Salvador, para quem a população brasileira mais parecia uma população de caranguejos, a andar somente pelo litoral, estando convicto da necessidade de uma marcha para oeste, de conquistar o sertão e povoar o centro do Brasil para levar o desenvolvimento para outras partes do território brasileiro. Na década de 1950, Goiás era um sertão rústico. 

Além disso, houve uma outra razão. Antes e depois do suicídio de Getúlio Vargas, a pressão política era tamanha no Rio de Janeiro, principalmente da imprensa e da UDN (extrema direita), que a governabilidade a partir do Rio, com os ataques políticos diários, passou a ser praticamente impossível. JK sabia disso e sabiamente transformou o projeto da mudança da capital como a metassíntese do seu governo. Lembremos que após a eleição de JK como presidente da República, houve uma tentativa de golpe para impedir a sua posse, que somente não se realizou graças a intervenção do general Lott, um legalista, então ministro da Guerra. Tancredo Neves conta que o suicídio de Getúlio Vargas teve como consequência a eleição do Juscelino e adiou o golpe de 1964. Mas o clima político-militar do Rio de Janeiro na década de 1950 era muito pesado e ameaçador. Juscelino sabia disso. A saída foi levar a capital para o planalto central, não só para dar condições de governabilidade, mas para cumprir a Constituição e desenvolver o Centro-Oeste.

De mais a mais, já havia um consenso que o Planalto Central era o ponto destinado à construção da nova capital. Conta-se que Dom Bosco, santo italiano que migrou para o Brasil e fundou a Congregação Salesiana, certa vez teve um sonho místico que anotou. O santo conta que foi arrebatado em sonho por anjos e viajou com eles sobrevoando a América Latina, onde via riquezas incomparáveis e, entre os paralelos 15 e 20 graus havia um leito muito largo e uma voz dizia: "Quando escavarem (...) aparecerá aqui a Grande Civilização, a Terra Prometida, onde correrá leite e mel". Posteriormente, a Constituição de 1891 já previa a mudança da capital para o planalto central. Só não estabelecia prazo. E durante o governo de Getúlio Vargas, uma equipe de engenheiros e geólogos fez o estudo onde seria o melhor lugar para a construção e verificou-se que o local mais adequado, coincidentemente, seria entre os paralelos e os meridianos já anotados no sonho de Dom Bosco.

Juscelino Kubitschek de Oliveira nasceu em Diamantina/MG, em 1902. Filho de professora primária e de um caixeiro-viajante, foi um aluno aplicado na escola.  JK foi seminarista e telegrafista. Após muito estudo, passou na faculdade e formou-se em medicina. Em 1931 casa-se com Sarah Gomes de Lemos, de família abastada e filha de um deputado. Juscelino começa a exercer a medicina e depois entra para a política. Foi prefeito, deputado federal e governador, antes de ser eleito presidente da República. JK era muito alegre, festeiro, gentil e entusiasmado pela vida. Conta-se que JK dançava muito bem e era conhecido como um "pé de valsa". Além disso, era um homem realizador; aproveitava o tempo da melhor maneira possível para concretizar seus planos. 

O livro conta a epopeia que foi a construção de Brasília, que não tinha nada, nenhuma vila, mercearia, padaria, telefone, luz elétrica, água encanada, nada! Muito menos estradas, ministérios e aeroporto. Tudo teve que ser feito do zero. As dificuldades iniciais eram imensas. Contudo, também imenso era  entusiasmo de Juscelino com suas constantes viagens de avião Rio-Brasília,  para acompanhar e incentivar a construção da nova capital, com a direção pela Novacap. Ninguém faz nada sozinho. A obra dá conta disso e descreve a construção da capital pelos valorosos candangos (operários) e pela colaboração de Oscar Niemeyer, Lúcio Costa, Israel Pinheiro, Bernardo Sayão, Affonso Heliodoro, Darcy Ribeiro, dentre muitos outros até, finalmente, a inauguração de Brasília em 21 de abril de 1960. 

quarta-feira, 24 de abril de 2024

Buenos Aires

Buenos Aires é uma cidade linda! Uma referência em urbanismo. Parece a Europa. As avenidas são largas e contrastam com umas ruas bem estreitas. O traçado da cidade foi bem planejado. Muitos prédios tem uma arquitetura francesa, principalmente no bairro da Recoleta. Parece que pelo menos no centro, na Recoleta e em Palermo quiseram fazer de Buenos Aires uma Paris da América do Sul. Percebe-se uma mania de grandeza, sejam nos prédios públicos ou particulares. Deve custar caro manter aquilo tudo.

Com relação à comida, os turistas brasileiros adoram e lotam os restaurantes para comer carne, parrilla, "ojo de bife" e "bife de chorizo com las papas fritas". Fiquei a pensar: por que não introduzem acompanhamentos mais saudáveis, como legumes cozidos? Não seria bom um bife de chorizo com arroz, brócolis e cenoura cozidos? De fato, percebi que há pouca verdura e vegetais nos cardápios dos restaurantes. Talvez porque tenha faltado, como em São Paulo, a imigração japonesa que nos trouxe o bom hábito de comer verduras e legumes. Outra coisa é que os garçons argentinos são mal humorados. Está certo que os brasileiros são folgados e pedem muitas coisas, mas servir com simpatia não custaria nada.  

Dito isso, eu aconselharia os brasileiros que vão "turistar" em Buenos Aires a andar pelas ruas, pelas ruelas, becos e avenidas. A arquitetura e o plano urbanístico da cidade valem a pena. Não há nada como descobrir caminhos novos. E descobrir uma cidade andando à pé. Assim, é possível ir à pé do Teatro Colon à Casa Rozada, e da Plaza de Mayo à feira de San Telmo. E, no meio do caminho, sempre tem um café com um bom cortado. 


domingo, 21 de janeiro de 2024

Os santos que abalaram o mundo

Vale a pena ler alguma obra sobre a vida dos santos. Qualquer santo ou santa. Existem muitos. Tal leitura renova a fé e nos ajuda a nos conectar com as coisas do alto, com o mundo espiritual. Afinal, "[s]eparada da visão religiosa, a vida humana é apenas um clarão de prazeres ocasionais, iluminando uma massa de cor e de miséria, uma bagatela de experiência passageira...". Na obra Os Santos que abalaram o mundo; René Fülöp-Miller; tradução de Oscar Mendes; 31ª ed. - Rio de Janeiro: José Olympio, 2023, 421 pág., o autor nos presenteia com a biografia de cinco santos que abalaram os alicerces da Cristandade, mudando para sempre a história da Igreja e do Ocidente. Em algum momento do livro, fala-se até que às vezes é melhor aos iniciantes no cristianismo e na espiritualidade começar a ler sobre a vida dos santos, onde há exemplos concretos de mudança de vida e fidelidade a Deus, do que ler o Velho Testamento, onde há muitas passagens enigmáticas, de eventos sobrenaturais, que podem desencorajar os leitores.

Nota-se que o autor é possuidor de uma vasta cultura, contextualizando a vida de cada santo biografado com a história do seu tempo e sua influência nas artes e no mundo. René Fülöp-Miller (1891-1963) nasceu na região Banat da Hungria, mais tarde cedida à Romênia. Como jornalista, editor e escritor, residiu em Viena, Paris, Budapeste, Moscou, Londres, Los Angeles e Nova York. Pela leitura, é perceptível a fé em Deus do autor, bem como nesses espíritos extraordinários que passaram pelo plano terrestre procurando um caminho para chegar mais perto de Cristo. Há passagens que são verdadeiras pérolas da espiritualidade. O autor foi fundo na pesquisa e construiu uma catedral com esse livro, graças a seu labor e à Biblioteca pública de Nova York. A tradução de Oscar Mendes também me parece ser uma das melhores que poderia ter sido feita.Há passagens memoráveis, que elevam o espírito, elevam o pensamento a Deus, nos ensinam a orar em silêncio e nos fazem refletir sobre a verdadeira devoção.  

Santo Antão nasceu cerca do ano 251, na aldeia de Coma, no Alto Egito. Era filho de um cristão copta, um rico fazendeiro que desconfiava da influência grega, de modo que o jovem não foi mandado à escola e cresceu analfabeto. Depois da morte dos pais, herdou todas as terras e rebanhos e vivia uma vida de trabalho, piedade e retidão. Um domingo, na igreja, ao ouvir o padre ler um trecho do Evangelho, "o jovem rico" (Mateus 19,6), vendeu tudo o que tinha, todas as suas propriedades e doou o dinheiro aos pobres da aldeia, procurando seguir um caminho puro e reto que o levasse a Deus. Conforme sua época, escolheu um caminho de solidão: a reclusão de uma caverna onde venceu todas as tentações, conforme se vê nas pinturas criadas, séculos depois, por Jerônimo Bosch e Pieter Brueghel. Com santo Antão aprendemos que o diabo existe e se disfarça de mil maneiras, mas é possível vencer as ciladas do inimigo com uma vida de ascetismo dedicada a Deus.

Santo Agostinho nasceu no ano de 354, na pequena cidade de Tagasta (hoje Argélia), norte da África. Dotado de uma inteligência sem igual, aprendeu a estudar, mas vivia uma vida desregrada, rodeado de luxúria. Agostinho entregava-se aos prazeres da sensualidade e demorou bastante a largar o pecado e converter-se em santo, somente o fazendo depois de uma revelação em baixo de uma árvore, quando ouviu uma voz misteriosa de um menino que dizia, "abre e lê, abre e lê". E, ao abrir a Bíblia deu com o seguinte trecho: "Não na devassidão e na embriaguez, não na lascívia e na luxúria, não na contenda e na inveja; mas confia em Nosso Senhor Jesus Cristo e não faças provisão para a carne, para satisfazer a sensualidade". Na idade de 32 anos, Agostinho renunciou ao mundo dos prazeres, procurou ser batizado, viu Roma com novos olhos, voltou à Tagasta e começou a compor suas obras religiosas, inclusive as famosas Confissões.

São Francisco nasceu no ano de 1182, na cidade de Assis (hoje Itália). Depois de frequentar a escola dos monges beneditinos, seu pai, Pedro Bernardone, levou-o para auxiliá-lo na loja de tecidos. Assim, filho de um rico comerciante de fazendas, e numa época de menestréis e trovadores, Francisco era um rapaz festeiro e alegre na juventude, que depois de uma doença foi tendo dúvidas a respeito da verdadeira felicidade, sendo que seu espírito o guiou para um outro caminho. Depois da doença e da convalescença, Francisco descobriu a felicidade nos passeios pelos campos fora dos muros da cidade. O livro narra fatos importantes que marcaram a vida desse santo como o encontro com o leproso, a escolha da pobreza como sua companheira, a visão de Cristo na capela pedindo a Francisco para reerguer a Sua Igreja, a queixa de Pedro Bernardone contra o próprio filho e o julgamento de Francisco perante o tribunal eclesiástico, no qual Francisco rejeita o pai terrestre e começa a seguir O Pai celestial, abraçando uma vida de pobreza, caridade e amor ao próximo.

Santo Inácio nasceu por volta de 1491 e era filho da criada da rainha da Espanha, de modo que ouvia as conversas em casa e cresceu com a crença de que o mais importante na vida era o favor de reis e rainhas. Assim, desde a remota infância, a alma de Inácio foi envenenada por uma ambição desmedida. Queria sobressair-se na sociedade da época a qualquer custo, até que, por meio de leituras, descobriu que um santo era mais valorizado que um cavaleiro real. Considerado o santo da força de vontade, Inácio fez uma reforma íntima para transformar o cavaleiro em um santo. Para tanto, dirigiu-se a uma caverna onde orava, jejuava e se mortificava em busca da purificação e da aproximação com Deus. Para domar a sua alma, desenvolveu um sistema de auto-observação, que resultou mais tarde nos Exercícios Espirituais, uma obra de pouco valor literário, mas muito valor prático. Depois de reformar a si mesmo, passou a reformar outras almas, fundou a Ordem dos jesuítas, a famosa Companhia de Jesus onde foi o geral por bastante tempo e trabalhou incansavelmente até o último dia da sua vida.

Santa Teresa nasceu em 1515, em Ávila (hoje Espanha), na transição da Idade Média para a Idade Moderna. Filha de Dom Alonso, um proprietário espanhol, a alegre Teresa atraía olhares dos rapazes na sua adolescência e quase teve um encontro com um rapaz às escondidas. Mas no dia marcado confessou tudo a seu pai e foi enviada para um convento somente por um tempo. Depois, regressando para a casa do pai, aos 15 anos, Teresa começou a sentir os primeiros sintomas da terrível doença que a acompanhou pela vida. Uma doença que a fazia ter visões e a aproximava da santidade. Então, depois de ler sobre a vida de São Jerônimo, Teresa resolve entrar para o Convento das Carmelitas. A Santa, cuja doença e santidade se misturavam numa coisa só, aquela que foi o vaso escolhido, aprendeu a orar em silêncio e ensinou que não é possível servir a Deus e ao mundo ao mesmo tempo. Santa Teresa nos ensinou a fugir das conversas superficiais que vão e vem ao sabor dos ventos e, ao invés disso, a nos recolher em nosso castelo interior, a orar em segredo e buscar a comunhão com Deus. 

Em tudo, se vê a providência divina em enviar ao mundo pessoas iluminadas ou em busca da iluminação, que serviram de verdadeiras tochas para a humanidade, principalmente nas épocas mais tenebrosas e sombrias da História, como no declínio do Império Romano e na época das Cruzadas e da Inquisição. Pessoas de carne e osso que escolheram os caminhos da solidão e da resistência às tentações, da retidão e da pobreza, da caridade e do amor, da humildade e da disciplina, da obediência e da fidelidade a Deus. Pessoas que viram o próprio Cristo e buscaram praticar seus ensinamentos.