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terça-feira, 13 de abril de 2021

Gandhi - Autobiografia

Teimoso, obstinado, simples, idealista, conciliador, cuidador, político, orador, advogado, filho, marido, pai, amigo. Assim era Mohandas K. Gandhi, mundialmente conhecido como uma figura esquálida, que jejuava com objetivos políticos e altamente espiritualizada. Pacifista e personagem crucial para a independência da Índia, Gandhi (1869-1948) foi uma pessoa extraordinária. Logo cedo descobriu algumas regras de vida que o ajudaram, entre elas a regra de seguir sua voz interior.

Nascido na Índia, formado em Direito na Inglaterra e advogado na África do Sul, Gandhi foi um cidadão do mundo. Não foi um intelectual, mas leu bastante durante a juventude. Não foi um trabalhador rural, mas trabalhou bastante nas fazendas comunitárias que ajudou a construir. Não foi um político profissional, mas fez política para ajudar as causas das comunidades mais pobres e injustiçadas. Não foi um líder espiritual nem fundador de igrejas, mas ajudou milhares de pessoas a ter fé em Deus e a praticar o bem. Gandhi foi um espírito altamente evoluído que passou pela experiência humana.

Gandhi casou-se precocemente, aos 13 anos, com Kasturbai, em um casamento arranjado, como era costume na Índia do século XIX. Curioso descobrir que Gandhi era ávido por sexo na juventude, só tendo controlado os desejos da carne posteriormente, quando começou a praticar a Brahmacharya, filosofia segundo a qual o sexo somente deve ser feito com o fim de reprodução. Gandhi escreveu que "o casal que se der conta disso jamais empreenderá a união sexual com o objetivo de satisfazer sua luxúria, mas apenas para gerar descendência. Considero ser o auge da ignorância a crença de que o ato sexual é uma função necessária, tal como dormir ou comer". 

Vocacionado a cuidar dos outros, ainda adolescente, Gandhi cuidou do pai no fim da vida deste. Ele gostava de cuidar de pessoas, tanto que por mais de uma vez serviu no grupo de ambulâncias em guerras que tomaram lugar na África do Sul, inclusive na Guerra dos Bôers.  Realmente, olhando em perspectiva, nota-se que Gandhi tinha uma alma que transbordava, ajudava, cuidava do outro. Não era suficiente estar bem, cuidar da própria saúde, do próprio bem-estar. Era preciso olhar para o lado, trabalhar em prol da comunidade. Autobiografia - minha vida e minhas experiências com a verdade / Mohandas K. Gandhi; tradução Humberto Mariotti et al.-São Paulo: Palas Athena,2014 é um relato sincero da vida do personagem mais conhecido da Índia moderna. Sempre me pergunto qual seria o momento certo para alguém escrever a história de sua vida. Creio que não pode ser cedo demais, nem tarde demais. Gandhi escreveu a biografia em 1936; portanto, aos 67 anos. Dividido em 5 partes, o livro é composto por capítulos curtos, fáceis de ler. O difícil para nós ocidentais são os complicados nomes indianos. A narrativa, empolgante no início, perde um pouco o ímpeto no final.

Gandhi estudou Direito em Londres, tendo-se formado em 1891. Ele conta que, naquele tempo, o ensino do Direito na Inglaterra era arcaico, muito preso a convenções e um dos requisitos para se formar consistia em participar de jantares. Era possível formar-se sem muito estudo. Porém, por honestidade intelectual, resolveu ler obras de Direito Romano, como Justiniano e alguns clássicos, como "o livro de Goodeve, Personal Property [Propriedade Privada]", entre outros. O objetivo de Gandhi não é tanto falar da advocacia, mas por vezes ele fala, pois essa profissão foi um meio para ele se colocar no mundo, ganhar a vida e reparar iniquidades. A formatura em Londres, os livros, o começo da prática na Índia, e uma contenda especial na África do Sul valem a leitura. Gandhi enfrentou dificuldades para exercer a advocacia na Índia, tendo realmente iniciado a profissão na África do Sul. Sempre lutava contra as injustiças e advogava em prol dos indianos discriminados. Naturalmente, Gandhi chega à conclusão que é melhor fazer acordos para resolver os conflitos entre as partes. Desse modo, ele era um homem que aliava a advocacia à prática do ahimsa, termo sânscrito que designa a filosofia da não violência, quer por meio de pensamentos, palavras ou ações. 

Além disso, a devoção à Verdade de Gandhi irradiava por todos os aspectos de sua vida, inclusive na prática da advocacia. Assim, ele jamais admitia que um cliente ou testemunha do seu cliente pudesse mentir perante o tribunal. E se percebia qualquer tentativa de mentira, não aceitava a causa ou, se já a tivesse aceito, renunciava ao mandato. Era, sobretudo, um advogado das causas justas. E nas causas em que havia uma grande injustiça, além de defender a parte mais fraca, não cobrava honorários dos clientes, contentando-se com o que seria arbitrado ao final da demanda pelo juiz.

O livro nos conta da sua ida e longa permanência na África do Sul. Naquele tempo de colonialismo, a Índia mandava trabalhadores para a África do Sul, que não eram muito bem tratados. Gandhi resolveu lutar nos tribunais para que esses indianos imigrantes tivessem melhores condições de vida, saúde e higiene. O livro revela a inclinação de Gandhi pela vida comunitária e pelos serviços comunitários, o que fica claro e evidenciado com a Fazenda Tolstoi.  Por vezes é angustiante ver o obstinado Gandhi tratando seus familiares com métodos alimentares heterodoxos. Certa vez, não deixou que sua mulher tomasse caldo de galinha, conforme prescrito pelo  médico. Gandhi era um vegetariano radical, era vegano e por vezes preferia sofrer os desígnios de Deus a comer qualquer coisa de origem animal.

O desapego a bens materiais foi sendo praticado ao longo da vida. Mahatma, inclusive, é um título do qual ele não gostava. Ele conta que sua vida era mais simples antes desse pesado título. Certa vez, Gandhi conseguiu convencer sua esposa a se desfazerem dos presentes caros que tinham recebido, entre eles, joias de safira e ouro, o que é surpreendente. Gandhi viajava de terceira classe por livre e espontânea vontade; não porque gostasse de sofrer, mas para se colocar no lugar do outro, dos desafortunados. Houve, desde o início, uma escolha por um modo simples de vida. Sem luxo, sem ostentação. Viver somente com o essencial.