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terça-feira, 20 de dezembro de 2022

Copa do Mundo 2022

Foi a última Copa do Mundo com o atual formato, isto é, composta inicialmente de 32 seleções, divididas em 8 grupos de 4 seleções. A FIFA já anunciou que a próxima Copa do Mundo terá início com 48 seleções. E terá lugar em 3 países (EUA, Canadá e México). Será que vai dar certo? Só o tempo dirá... Também foi a última Copa do Mundo com narração de Galvão Bueno, que já narrou Hortência, Ayrton Sena, Isabel, Giba e muitas outras emoções, inclusive a conquista de dois canecos (1994 e 2002).  

O Brasil não fez uma grande Copa. Na verdade, decepcionou. Talvez nunca mais pegue um grupo tão fácil. Ganhou da Sérvia e da Suíça. Já classificado, se deu ao luxo de jogar com o time reservas contra Camarões, contra o qual perdeu. Foi pras oitavas e ganhou da Coréia do Sul. Foi para as quartas de final e perdeu para a Croácia. Não era um jogo pra perder. Tomar um gol no segundo tempo da prorrogação faltando 4 minutos para acabar o jogo é coisa de amador, não de profissional. Faltou liderança dentro e fora de campo. Depois do gol do Neymar, a seleção tinha que se retrancar, fazer falta, furar a bola, jogar a bola pro mato, qualquer coisa, menos deixar espaço para um contra-ataque croata, que empatou a partida. Ali, psicologicamente falando, nós perdemos o jogo. O Brasil já foi para o penaltys de moral baixa. Para piorar, o Tite colocou um garoto para bater o primeiro penalty. Deu no que deu. 

Foi uma Copa diferente, de zebras. A Itália nem se classificou. A Alemanha não passou da fase de grupos. A Espanha perdeu de Marrocos nas oitavas. O Brasil perdeu da Croácia nas quartas. E a Argentina ganhou a Copa depois de 36 anos! E que vitória! Suada, construída, lutada! A partida final foi um jogo dramático! Como numa canção de Jorge Ben Jor, aos 33 minutos do segundo tempo, depois do placar estar 2 x 0 para a Argentina  e quando a torcida portenha já gritava olé olé, a França fez um gol. Aí a França entrou no jogo. 4 minutos depois Mbappé fez talvez um dos gols mais bonitos da Copa. O jogo incendiou. A essa altura, mais de um bilhão de pessoas assistiam a partida ao redor do planeta. O mundo é uma bola. 

A Copa do Mundo de 2022 foi a Copa de Lionel Messi, cuja história pessoal é digna de um filme. Após ser diagnosticado com uma doença que retarda o crescimento, sua família procura ajuda na Argentina e não a encontra, até que um olheiro do Barcelona vê uma promessa e faz uma proposta. Então, aos 13 anos, Messi se muda para a Espanha, depois que o Barcelona aceitou pagar seu tratamento. Treina, treina, treina. Em 2004 faz sua estreia e atua pela primeira vez em um jogo oficial. Em 2005, aos 17 anos, marca seu primeiro gol profissional e também estreia pela seleção Argentina. Em 2006 conquista sua primeira Liga dos Campeões. O resto é história. 

segunda-feira, 12 de setembro de 2022

O exercício da medicina

Drauzio Varella é um craque das letras. Escreve com uma facilidade invejável. O exercício da incerteza: Memórias, 1ª edição - São Paulo: Companhia das Letras, 2022 é o seu livro mais recente e o texto flui de sua pena ao sabor das memórias que evoca em mais de 50 anos de profissão e 79 de vida. Parece até que ele está a conversar com o leitor na varanda de casa depois de um cafezinho. Lembra uma figura que foi extinta: o antigo médico da família. Aquele médico bondoso e confiável que conhecia pai, mãe e filhos pelo nome, além do histórico médico de cada um. Chegava na casa do paciente carregando uma maleta, abria-a para pegar o estetoscópio, auscultava os pulmões, tirava o termômetro para medir a febre, pedia para abrir a boca, punha o palito na língua e pedia para o paciente dizer AAA...

A primeira vez que vi o Doutor Drauzio foi no Fantástico, dando conselhos sobre saúde e explicando as formas de se evitar ou se tratar certas doenças. Serviço de utilidade pública em horário nobre. Coisa difícil de se ver. Nesse sentido, Drauzio foi um servidor da saúde nesses 50 anos de profissão, que agora ele conta em detalhes. Não somente um médico mas um comunicador incrível, didático e objetivo, no rádio, na TV e agora até em canal do You Tube. Ele conta que essa facilidade de comunicação não veio de graça, mas a custo de muita prática; na verdade, de anos de trabalho como professor do Colégio Objetivo, que ajudou a fundar com João Carlos Di Genio. Estudioso incansável, Drauzio nunca parou de estudar. Ele conta que depois de certo tempo, com medo de não acompanhar os avanços da profissão, começou a assinar e ler duas revistas científicas: Science e Nature.

O texto flui ao sabor das memórias desse paulistano, nascido no Brás, neto de imigrantes espanhóis que vieram para o Brasil no começo do século XX. Seu avô imigrou para o Brasil com 12 anos de idade, trabalhou em lavoura de café e depois migrou para São Paulo, onde iniciou um negócio com transporte de mercadorias. Drauzio conta que, desde criança, já sabia que queria estudar medicina e curar pessoas. Talvez a morte prematura de sua mãe o tenha ajudado, inconscientemente, a trilhar esse caminho. Bom estudante, entrou em medicina da USP em segundo lugar.

O menino doente que perdeu cedo sua mãe e foi estudar no colégio Arquidiocesano, sempre soube que queria ser médico, mas demorou a descobrir sua especialidade: a oncologia. Ele conta a evolução do tratamento oncológico com as descobertas da radioterapia e da quimioterapia. Pessoa inquieta e ávida por conhecimento, Drauzio conta que visitou a União Soviética em 1982 e viu uma medicina atrasada pelo menos 20 anos em relação ao Ocidente, com salas de espera lotadas e aparelhos médicos velhos e ultrapassados. Também visitou a Suécia e viu uma medicina evoluída com uma estrutura de primeira linha, que só não era perfeita por uma impessoalidade levado ao extremo: "o atendimento era prestado por médicos e residentes cuja escala de serviço variava de tal forma que um doente podia ser atendido toda vez por um médico diferente". E como não havia acompanhamento do caso pelo mesmo médico, um linfoma de baixa agressividade com remissão, podia ter recidiva por falta de atenção. Nada é perfeito. 

Observador arguto da sociedade, Drauzio conta de forma resumida sua experiência nas cadeias como médico voluntário e diz que não seria o mesmo homem hoje sem essa rica vivência (o leitor que quiser se aprofundar pode ler, do mesmo autor, Carandiru, Carcereiros e Prisioneiras). Ele confirma o que todos os carcereiros e juízes já sabem: "Em sua origem, construídas para prender escravos, as prisões brasileiras preservam sua vocação elitista. Nas que frequentei em São Paulo e nas que visitei pelo país não encontrei um único prisioneiro oriundo das camadas mais ricas da população".

Defensor do Sistema Único de Saúde (SUS), previsto na Constituição Federal de 1988 e implantado de forma gradual, Drauzio conta que, antes disso, vigorava o antigo INAMPS, sistema acessível apenas para quem trabalhava com carteira assinada (CTPS). Ou seja, quem trabalhava na informalidade ou estava desempregado ficava fora do sistema. Caso adoecesse, o camarada ficava na dependência da boa vontade dos Hospitais Universitários e das Santas Casas. Os trabalhadores do campo também estavam excluídos. Com a redemocratização do país, os constituintes previram um sistema de saúde gratuito e universal, isto é, para todos os brasileiros, que foi implantado de forma bem sucedida e gradual, principalmente a partir de 1993. 

O leitor será ainda agraciado com relatos e detalhes sobre: o surgimento dos planos de saúde no Brasil e seus inconvenientes; as doenças de ontem e de hoje; a depressão; os transtornos de ansiedade; a medicalização da vida cotidiana e muito mais nessa obra simples e rica em que o fio condutor é a prática da medicina, principalmente de 1950 para cá. Como lições ficam: prevenir é o melhor remédio. Uma alimentação saudável, com frutas, legumes e verduras, aliado à prática de atividade física frequente, podem evitar uma série incontável de doenças, além de prolongar a vida. Depois de sua contribuição inestimável ao país, só nos resta dizer a esse ilustre brasileiro: muito obrigado Doutor Drauzio!

terça-feira, 19 de julho de 2022

Rota 66

Rota 66/Caco Barcellos; 33 ed.; São Paulo: Globo, 1999, é um livro reportagem que aborda a violência policial na cidade de São Paulo de 1970 a 1985, fruto de um rigoroso processo de investigação jornalística. O livro é composto de três partes: 1) O caso Rota 66; 2) Os matadores; 3) Os inocentes. Caco Barcellos se define mais como repórter do que como jornalista porque gosta de investigar, perguntar, conversar com as pessoas, em suma, ir para a rua atrás da notícia. Depois, ele faz um trabalho de confrontar versões em busca da verdade factual. Também é um bom escritor, na medida em que costura com elegância seus achados e descobertas. O autor, além de revelar o peculiar método de investigação jornalística, que incluía a leitura diária do jornal Notícias Populares, bem como visitas diárias ao IML, descreve os fatos com todas as circunstâncias dos crimes, inclusive os nomes dos matadores e das vítimas. Rota 66 foi publicado em 1992 e ganhou o prêmio Jabuti em 1993, na categoria Reportagem; deveria ser leitura obrigatória para estudantes de Direito e Jornalismo.

O livro começa como um "trilher" de filme de ação; descreve uma fuga alucinante de carro pelas ruas de São Paulo, no ano de 1975, a perseguição policial e a execução de 3 jovens na Rua Argentina, Jardim Europa, por PMs da ROTA - Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar, o 1º Batalhão de policiamento de Choque da Capital. O carro perseguido era ocupado por três jovens de classe média alta, frequentadores do Clube Paulistano, que resolveram aprontar uma traquinagem e furtar um toca-fitas de um amigo deles, que estava devendo no jogo. Na hora que estavam debruçados sobre o toca-fitas, chegou a veraneio da Rota. "- É a polícia! Mãos na cabeça!" Eles saíram correndo, entraram no fusca e Noronha começou a dirigir feito louco pelas ruas de São Paulo. Talvez o erro deles tenha sido fugir; mas a questão é que, depois da perseguição, eles foram brutalmente assassinados com tiros nas costas e na cabeça, sem nenhuma chance de se explicarem. Foram mais três vítimas da "Rota, a polícia que mata", a polícia que primeiro atira e depois pergunta. Todavia, foram três vítimas de classe média alta, cuja abordagem fugiu ao padrão e atraiu o interesse de toda a imprensa (especialmente de um jovem repórter chamado Caco Barcellos). O pai de uma das vítimas era amigo do governador Paulo Egídio Martins. Um promotor de justiça foi especialmente designado para o caso.

O mérito de Caco Barcellos foi ter desmascarado o método de alguns maus policiais da Rota: 1) vontade de matar; 2) predisposição a matar jovens negros e pardos da periferia; 3) o mau policial primeiro atira e depois pergunta; 4) mudança da cena do crime para não levantar suspeita de execução (ao contrário do que determina o Código de Processo Penal, que recomenda aos policiais a preservação da cena do crime); 5) falsificação ideológica do Boletim de Ocorrência, no qual o policial sempre alega que foi recebido a tiros e agiu em legítima defesa. A mudança da cena do crime envolve várias técnicas ilegais, que vão desde retirar o corpo do suposto ladrão ou criminoso do local onde caiu morto e levá-lo para o hospital já sem vida, até "plantar" uma arma na cena do crime para simular um tiroteio, como se fosse do civil morto.

O Brasil é um país extremamente violento. Sempre foi, desde as capitanias hereditárias, passando pela escravidão, pelo coronelismo, pela Guerra do Paraguai, por Canudos, até hoje. Em muitos lugares as coisas são resolvidas à bala, na base da força, no autoritarismo. Em uma Feira Literária em Paraty, Caco Barcellos chegou a comentar: “Nenhuma guerra recente ocorrida no mundo vitimou mais pessoas que os assassinatos acontecidos anualmente no Brasil”, disse ele, lembrando a cifra de 50 mil mortes por ano. “É a pior guerra do mundo.” Uma parte dessas mortes pode ser colocado na conta dos policiais militares, que são mal remunerados, mal treinados e vivem em um corporativismo que incentiva a matar, e não a prender o suspeito e levá-lo para a delegacia, como manda a lei. No fundo, o livro funciona como uma denúncia de uma corporação policial violenta que não respeita a lei. E é uma aula de jornalismo investigativo.

terça-feira, 12 de julho de 2022

São Paulo: procura-se uma saída

A cidade de São Paulo tornou-se inviável. É um fato. Tanto assim que, com a pandemia e a implantação do trabalho remoto para uma pequena e felizarda parcela da população, muitas pessoas resolveram migrar para cidades vizinhas, como Santos, Jundiaí, Sorocaba, Piracicaba etc. A pandemia ensinou algumas coisas e muitas pessoas saíram de SP em busca de uma melhor qualidade de vida, de verde, ar puro, silêncio ou, simplesmente, mais tempo com a família.

Da verticalização nem se fala. A cidade cresce para para os lados, mas sobretudo para cima. Foi realmente incrível a quantidade de novos edifícios levantados na cidade nos últimos dois anos. A construção civil foi um dos únicos ramos que cresceu na pandemia. Cada vez mais se vê menos vilas e mais prédios. Na Vila Mariana, em particular, o cenário é triste. A mudança na paisagem está acontecendo a olhos vistos. Grandes construtoras compraram e derrubaram muitas casinhas, predinhos, sobrados... Vem a demolição, colocam tudo abaixo. Constroem prédios altos, de todos os tipos e alguns muito perto da calçada. Caminhões, terra, caçambas, obras, barulho, cimento. A cidade vira um inferno. A verticalização prossegue. Para onde?

Não existe amor em SP já cantou Criolo, "onde os grafites gritam" nos muros, nas pontes e viadutos. É uma cidade de contrastes, que assusta quem a cruza em linha reta, da Faria Lima ao Capão Redondo. Precisa ter estômago... E pulmão de aço. As almas sensíveis sucumbem à degradação da paisagem. A falta de horizontes e de verde acabam por levar à depressão. Nas periferias, a falta de parques, de verde e de equipamentos públicos deixam os jovens sem perspectivas de mudança. Já nos bairros ricos e endinheirados, vê-se surgir na paisagem verdadeiros enclaves fortificados, uma cidade de muros altos e concreto segregador. Leiam Raquel Rolnik, Teresa Pires Caldeira.

Outra marca registrada são os rios poluídos. É de dar dó. E de tampar o nariz... O rio Tietê e o rio Pinheiros são esgotos a céu aberto, principalmente nos trechos em que o rio é considerado "morto", já que não consegue abrigar vida porque há pouco ou nenhum oxigênio dissolvido na água. Se é que se pode chamar aquilo de água. O despejo de esgoto sem tratamento já levou o antropólogo Darcy Ribeiro a dizer, com justeza, que os paulistanos não sabem tratar seus rios.

Há quem goste de morar na cidade. Sem dúvida, é um lugar de oportunidades para trabalhar (comércio, startaps, escritórios, residências, prédios etc.) e estudar (escolas, universidades, faculdades, institutos etc.). Há oportunidade de trabalho em quase todos os ramos, da construção ao comércio, de serviços domésticos a tecnologia de informação. Há cursos de todos os tipos na cidade. Se você quiser aprender grego, hebraico ou mandarim, certamente irá encontrar um curso que atenderá suas necessidades. Mas o preço para se morar em São Paulo é caro. O preço das faculdades, dos transportes e dos aluguéis é caríssimo. Mas não é só. A poluição da cidade também faz o seu estrago. Os níveis atuais de poluição em São Paulo reduzem a expectativa de vida em cerca de um a três anos, gerando problemas como o câncer de pulmão e de vias aéreas superiores, como asma, rinite, bronquite e sinusite. Graças a Deus existe o parque do Ibirapuera para arejar a mente, andar, correr, andar de bicicleta, patins, skate etc. Mas quantos tem a sorte de morar ali por perto?

A São Paulo de hoje não é mais a cidade feia e bela de antigamente, a São Paulo dos novos baianos, dos anos 60, da época dos saudosos festivais da Record, quando os artistas moravam no centro, na Avenida São Luiz e Consolação e alguma coisa acontecia quando cruzavam a Ipiranga com a avenida São João. Naquela época ainda era uma cidade de encontros possíveis em espaços públicos, nas ruas, nos bares, nos restaurantes, nas faculdades, nos teatros. Gilberto Gil, Caetano Veloso, Tom Zé, Rita Lee, Chico Buarque se encontravam nas praças. Igualmente, a São Paulo de hoje não é mais a cidade do início dos anos 90, na administração Luiza Erundina, quando tinha um planejamento da cidade para todas as classes sociais em projeto cultural inclusive, com shows no MASP e no Anhangabaú. A cidade hoje é mais dura, feia, veloz e violenta. E, fora de alguns poucos circuitos, tornou-se uma cidade interditada para o afeto coletivo. "O avesso do avesso do avesso".

terça-feira, 24 de maio de 2022

Shackleton

Imagine uma viagem difícil e com muitos percalços em que o navio afunda e você e seus companheiros precisam desesperadamente sobreviver com a tripulação dividida em 3 pequenos barcos a milhas e milhas de um porto seguro. Em condições de pressão e temperaturas normais já seria complicado. Pois é... A incrível viagem de Shackleton, Alfred Lansing; tradução Sérgio Flaksman, Rio de Janeiro: Sextante, 2004, foi muito mais difícil do que você imaginou, pois foi na Antártida, no continente gelado, com ventos cortantes e congelantes, em uma época em que não havia GPS, e o rádio ainda era um experimento desacreditado. Tal viagem foi relatada com riqueza de detalhes pelo jornalista e escritor americano Alfred Lansing, cujo mérito foi entrevistar os tripulantes e compor um relato completo da expedição, do naufrágio e da tentativa de retorno à civilização. Lançado em 2004 no Brasil pela primeira vez esse é um livro de aventuras. É uma luta pela sobrevivência. Mais do que isso. É um relato minucioso de como 28 homens sobreviveram a uma expedição fracassada, cujo navio encalhou no gelo da Antártida em 1915.
 
A expedição foi composta de 28 homens, sendo um chefe (Shackleton), um subcomandante, um comandante (Worsley), um navegador, três pilotos, dois maquinistas, três médicos, um geólogo, um meteorologista, um físico, um biólogo, um fotógrafo, um desenhista, um especialista em motores, um carpinteiro (McNeish), um cozinheiro (Green), cinco marinheiros, dois foguistas e um passageiro clandestino, depois descoberto e incorporado à tripulação.

Ernest Shackleton era uma espécie de navegador que gostava de desafios e queria deixar seu nome na história. Podia ter defeitos, mas era um líder sem igual. Seu objetivo era atravessar o continente antártico, o continente gelado para ser o primeiro homem a realizar esse feito. O início do século XX era uma época em que algumas regiões do globo ainda não tinham sido visitadas pelo homem, mas tanto o Polo Norte quanto o Polo Sul já tinham sido atingidos por navegadores (Amundsen e Scott, respectivamente) ao tempo da citada expedição. 

O plano geral de Shackleton era levar o navio até o mar de Weddel e desembarcar uma expedição de trenós composta de seis homens e 70 cães.  Atravessar o continente gelado a pé (com os trenós e os cães) e pegar um navio do outro lado, que deveria estar esperando e fazer um retorno glorioso à Europa. Shackleton comprou e preparou o melhor barco que conseguiu, o Endurance, fabricado na Noruega.

Feitos os preparativos o navio partiu da Inglaterra com direção ao Polo Sul. Depois de uma breve escala na Argentina, o navio seguiu seu rumo. Quase chegando na Antártida, o navio atolou no meio de blocos de gelo, em uma espécie de "sopa de gelo". Depois, os ventos mudaram, a temperatura caiu, as gigantescas pedras de gelo endureceram e prenderam o navio irremediavelmente. O navio ficou preso tal qual uma amêndoa em uma barra de chocolate. Depois, ao longo de meses, o navio foi prensado pelas gigantescas pedras de gelo, que faziam sons medonhos, e acabou afundando.

Após o naufrágio do Endurance e antes de se afastarem do navio à pé, arrastando os trenós e os três barcos pequenos no gelo, Shackleton exorta a tripulação a reduzir o peso e a carga ao mínimo essencial. "Cada um, disse, ficaria com as roupas que estava vestindo e mais dois pares de luvas, seis pares de meias, dois pares de botas, um saco de dormir, uma libra (cerca de meio quilo) de tabaco - e duas libras de artigos pessoais. Falando com a máxima convicção, Shackleton afirmou que nada tinha o menor valor se comparado à sobrevivência, e exortou todos a serem impiedosos ao se desfazerem de cada grama de peso desnecessário, qualquer que fosse seu valor. Depois de falar, enfiou a mão sob sua parka, tirou uma cigarreira de ouro e vários soberanos de ouro e os atirou na neve a seus pés. Depois, abriu a Bíblia que a rainha Alexandra lhe dera, arrancou a folha de rosto e a página que continha o Salmo 23. Também arrancou a página do Livro de Jó que continha o seguinte versículo: 

De que seio saiu a geada?
E quem gerou o gelo do céu?
As águas se endurecem a modo de pedra, 
E a superfície do abismo se aperta. 

Depois, atirou a Bíblia na neve e se afastou. Foi um gesto teatral, mas era o que Shackleton pretendia".

Livre dos excessos e apenas com o essencial, era preciso seguir em frente.