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terça-feira, 1 de setembro de 2020

1968 - O ano que não terminou

É um livro que narra os principais acontecimentos e a atmosfera vivida no dramático e tumultuado ano de 1968. Naquela época, acreditava-se no poder jovem como catalisador de mudanças sociais e comportamentais. Os jovens entre 18 e 30 anos compunham uma geração contestadora, que lia muito e amava a ideia de revolução. Havia um sentimento de urgência, mas também de radicalização e intolerância. Li pela primeira vez em 1989, quando tinha 17 anos. Confesso que me empolguei mais naquela época do que agora, mas foi ótimo reler. 

O ano de 1968 se desenrola num contexto de mudanças e lutas sociais. No mundo, havia a guerra fria, a guerra do Vietnã, a Primavera de Praga, o Maio de 68 em Paris, a luta pelos direitos civis nos EUA, com os discursos do pastor Martin Luther King e o movimento feminista, entre outros. Já no Brasil, havia a Ditadura Militar, uma efervescência cultural (no teatro, no cinema e na música), um crescente descontentamento com o governo militar, e o movimento estudantil.

Zuenir Ventura é um jornalista e escritor mineiro que fez carreira no Rio de Janeiro. Passou por várias redações e escreveu Cidade Partida, vencedor do Prêmio Jabuti. De fala mansa e temperamento afável, é um bom conversador. Talvez isso o tenha ajudado nas entrevistas que fez para compor esse livro de memórias. Generoso, faz um longo agradecimento ao final.

Os personagens revisitados são muitos. Impossível nomeá-los todos aqui. Mas logo no começo da leitura, é engraçado constatar que, na época, havia a chamada esquerda reformista, composta pelo PCB (o Partidão), setores da intelectualidade e artistas engajados, como Ferreira Gullar, Flávio Rangel, Teresa Raquel, Ziraldo, Oduvaldo Viana Filho, Paulo Pontes, Teresa Aragão, Walmor Chagas, Cacilda Becker, entre outros e, de outro lado, a esquerda revolucionária, composta pelo PC do B, pela ALN, por artistas mais radicais, como José Celso Martinez Corrêa, e pela maioria do movimento estudantil, que contava com César Queiros Benjamin, Vladimir Palmeira, Franklin Martins, Luis Travassos, José Dirceu e Fernando Gabeira. Há um toque de humor no livro, quando o autor diz que, à época, quase ninguém se declarava de direita, a não ser os militares, os políticos da Arena e Nelson Rodrigues. Sabemos hoje que a direita era composta por mais gente, inclusive setores da classe média, que apoiou o Golpe de 64 e, depois, ficou assustada com a repressão militar. A narrativa, portanto, é composta por personagens reais, de carne e osso, que depois tomaram rumos diferentes na vida.  

Lançado em 1988, 1968: o ano que não terminou, Zuenir Ventura, 2ª edição, Rio de Janeiro: Objetiva é um livro que foi escrito com alma. Não deixa de ser um acerto de contas do autor com o período, ou uma tentativa bem sucedida de digerir aquilo tudo e dar um significado para o turbulento ano, que começou com uma festa de Reveillon e terminou com o Ato Institucional nº 5, o chamado "golpe dentro do golpe". A propósito, o livro narra não só a reunião ministerial que culminou com o AI-5, como também as prisões arbitrárias ocorridas logo depois, inclusive as de Juscelino Kubistchek, Caetano Veloso e Gilberto Gil, e Sobral Pinto, resgatando  memória desse corajoso advogado. Quando perguntado, recentemente, em um programa de televisão, sobre a apatia dos jovens de hoje em relação àquela juventude de 1968, Zuenir não condena os jovens de hoje. Conciliador, disse: "o mundo mudou".