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sexta-feira, 13 de setembro de 2019

O espetáculo da corrupção

 A corrupção é coisa antiga. O Estado sempre foi alvo de ladrões e da rapinagem. O combate à corrupção como política de Estado, todavia, e realizado por meio de órgãos de inteligência é algo completamente novo. O Brasil engatinha nessa área. Na Itália, esse combate surgiu mais fortemente na década de 80, após os homicídios de Pio La Torre e Carlo Alberto Dalla Chiesa e, miseravelmente, fracassou. Nos EUA surgiu em meados do século XX e teve sucesso. Por que um país foi bem sucedido e o outro não?

O livro O espetáculo da corrupção: como um sistema corrupto e o modo de combatê-lo estão destruindo o país/Walfrido Warde. - Rio de Janeiro: LeYa, 2018. 144p. responde a essa e outras questões. Lançado em 2018, portanto antes de a Operação Lava Jato perder ímpeto, o livro tem um tom de desabafo. O título é sugestivo: a corrupção como espetáculo. Assim ela foi retratada na televisão, desde 2014, com imagens de empresários sendo presos, algemados e conduzidos para a carceragem da Polícia Federal, num esquema digno de Hollywood. O Ministério Público montava uma força-tarefa e acordos de delação premiada eram feitos aos borbotões. Ao mesmo tempo em que, dia após dia, a mídia bombardeava os telespectadores com diálogos oriundos de interceptações telefônicas, juízes e procuradores da Lava Jato posavam de salvadores da pátria e depuradores do sistema. Enquanto isso, as principais empreiteiras de infraestrutura no país sofriam duríssimas penalidades, com demissões em massa. E o Brasil, inserido em uma gravíssima crise econômica, mergulhava cada vez mais em uma espiral autodestrutiva. Esse é o quadro pintado por Warde, conhecido advogado empresarial da área de compliance.

O livro não critica o combate à corrupção, mas o modo como isso foi feito no Brasil. A preocupação do autor volta-se para as grandes empresas brasileiras do setor de infraestrutura, que foram à lona com a Operação Lava Jato. Partindo do pressuposto de que há 4 pilares de combate à corrupção, o autor diz que o sistema brasileiro fortaleceu apenas dois: a detecção da delinquência e o sistema de punições, com o auxílio poderoso das Leis 12.850/2013 (Lei de Organização Criminosa - Delação Premiada) e 12.846/2013 (Lei Anticorrupção - Leniência), ambas editadas no governo Dilma Roussef, o que acabou por desequilibrar o sistema. Para Warde, falta delimitar o âmbito da delinquência; isto é, indicar de modo claro o que é ilícito e o que é lícito. Ao analisar o lobby pré-eleitoral, diz que o financiamento eleitoral de campanha era lícito até o julgamento da ADI 4650. Na campanha presidencial de 2010, por exemplo, grandes empreiteiras "doaram centenas de milhões de reais" para diversos partidos políticos. E por que? Porque tinham interesse em fechar contratos com a Administração Pública. Mas depois, com o julgamento da ADI 4650 pelo STF, o financiamento empresarial de campanha passou a ser proibido. Ou seja, antes podia. Agora não pode mais. E as delações premiadas revelaram o que todo mundo já sabia (ou suspeitava), que as doações empresariais de campanha não eram inocentes. É lógico que as empresas queriam algo em troca. O autor acrescenta que o lobby pós-eleitoral também precisa ser regulado, assim como é feito nos EUA, para não deixar "fio desencapado". O lobby pós-eleitoral, hoje exercido pelas Frentes Parlamentares, necessita de uma clara regulação, para que se saiba o que é e o que não é corrupção.

Outra questão levantada é que a punição da corrupção tem funcionado bem, mas a leniência não, pois, no início, as empresas nem sabiam com quem falar. Assim, tendo em vista a confusão de órgãos públicos, muitas vezes a empresa que celebrava acordo com o Ministério Público, não se livrava de ser declarada inidônea pela CGU ou pelo TCU. E, quando tudo começou, em 2014, as empresas não sabiam com quem conversar e o Estado ainda não sabia, nem tinha expertise em fazer acordo de leniência. Um embate surdo se deu até que, em meados de 2015, a ala linha dura do MPF foi demovida da ideia de restringir a leniência, pois até nisso se cogitou... 

O autor aponta a ilusão de parcela do povo brasileiro: a crença de que o remédio amargo imposto pelos órgãos de persecução penal trará um país mais confiável amanhã e com o dinheiro roubado de volta aos cofres públicos. Ledo engado. Se é questionável o fim da corrupção no Brasil por meio da famigerada Operação Lava Jato, não há dúvidas, diz, de que esse combate a qualquer custo contribuiu para fechar empresas e aumentar a crise econômica. E ainda não saímos da recessão. Daí que faltou planejamento e estratégia para fazer o bom combate, pois é preciso limpar sem destruir.  E o autor traz, em números, as consequências dos arroubos justiceiros num país com elevado índice de desemprego. Desde o início da Operação Lava Jato, a Andrade Gutierrez demitiu 90 mil empregados; a Odebrecht  95 mil; a OAS 80 mil; a Camargo Correa 12.500, e por aí vai... Sem esquecer de que atrás de cada pessoa demitida existe uma família. Assim, o autor aponta as rachaduras do edifício de combate à corrupção e alerta que somente voluntarismos não resolvem.