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sábado, 10 de setembro de 2016

Life - um retrato de James Dean

Quem já viu fotos de atores e atrizes famosos do cinema sabe o que elas são capazes de despertar nas pessoas, principalmente nos jovens, sedentos por modelos de beleza ou de comportamento. As fotos, como tudo no capitalismo, são ou tornam-se mercadoria. São feitas, vendidas e publicadas. Mas, tratando-se de artistas de Hollywood, verdadeiros semi-deuses do Olimpo pós-moderno, tais fotos são adoradas e trazidas nas mentes e corações do público. O interessante é notar o quão forte e profundo as fotos podem mexer com a imaginação das pessoas, mais ainda nos anos 50, época em que não havia smartphones nem internet. Muita coisa mudou da época de Marlon Brando e Ava Gardner para cá. O cinema perdeu um pouco da magia que tinha outrora e o público de cinema ficou mais jovem, na verdade bastante "teen". Ainda assim as fotos mantêm seu poder de sedução e encantamento.

O filme Life se passa na época em que James Dean (Dane DeHaan) somente havia filmado "East of Eden", desastrosamente traduzido para "Vidas Amargas" e estava sendo seriamente cogitado pela toda poderosa Warner para estrelar Juventude Transviada (Rebel Without a Cause). Ainda não era um ator famoso. Prestes a completar 24 anos e vivendo em Nova York, Dean precisava (como qualquer estrela em ascensão) atender aos apelos e reclamos da indústria do cinema, inclusive participar de tediosas entrevistas, coquetéis, "openings" e tornar-se um cão amestrado, fazendo, falando e calando o que os chefões da indústria pedissem. Uma das primeiras cenas do filme "Life" mostra uma coletiva de imprensa do elenco de East of Eden. Estão todos lá: Elia Kazan, Jullie Harris e Cia Ltda.

Todavia, o filme não é somente sobre um astro de Hollywood no início de sua carreira no cinema, mas também sobre Dennis Stock (Robert Pattinson), um fotógrafo freelancer que vendia trabalhos para a revista Life, e cujas fotografias míticas de James Dean rodaram o mundo antes mesmo de sua trágica morte, em 30 de setembro de 1955, aos 24 anos de idade, num acidente de automóvel a bordo de seu porshe spyder. O fotógrafo, até então um "zé ninguém", tornou-se famoso por causa do fotografado. E o fotografado tornou-se mito por ser bonito, talentoso, rebelde e, lógico, por morrer tragicamente no auge da carreira. Naquele tempo, como ainda hoje, os jovens eram ávidos por modelos de comportamento que transgrediam as regras da sociedade. E Jimmy Dean, vindo da mesma escola de Marlon Brando, era um prato cheio.

Boa parte do filme mostra Dennis Stock, que está construindo seu portfólio, tentando convencer o preguiçoso Dean a deixar-se fotografar para a famosa revista. O filme trata da relação de ambos e, inacreditavelmente, de como Dean acabar por acalmar e humanizar o fotógrafo. O diretor Anton Corbijn (como as famosas fotos da revista Life) consegue revelar a pessoa por trás do mito. O ser humano James Dean por trás do ator tinha seu próprio ritmo, mais lento, cadenciado, preguiçoso. Vendo as fotos e os filmes, dá para perceber que Dean era um pouco aquilo. Não apressava as coisas e havia aprendido a representar organicamente, isto é, respeitando o tempo do seu corpo.

Lembro-me que um pouco antes do auge da minha idolatria por James Dean, quando eu tinha 19 anos, comprei um livro em um sebo perto da Praça da República, cujo título era "Too young to die" (Jovem demais para morrer). Acho que minha atração pelo assunto morte me fez comprar este livro, que continha mini biografias de vários gênios e ícones da cultura de massa anglo-saxônica, como Billie Hollyday, Brian Epstein, Jimi Hendrix e, claro, James Dean. Vendo as fotos, percebia que ele tinha uma magia, uma aura e era extremamente carismático, embora incompreendido. E havia um toque de tragédia no livro todo. Realmente, Tânatos me atraiu. Foi lá que fiquei sabendo que a família tinha uma fazenda; que ele estudou no famoso Actor's Studio com Lee Strasberg etc. Lembro que nesse livro (que um dia resolvi jogar fora por me achar mórbido demais) havia a fotografia de Jimmy ao lado de um porco enorme. Hoje sei (ou relembrei) que essa fotografia foi tirada por Dennis Stock na fazenda da família, em Indiana. Dean parece estar sempre cansado, fatigado. Mal havia começado e já era um jovem cansado da indústria, do circo, das cobranças e exigências do circuito.

Houve um tempo em que todos os homens queriam ser James Dean (e todas as moças gostariam de estar em sua cama). Grandes atores e personalidades já confessaram isso, fato que me tranquilizou um pouco ao saber que eu não era o único louco que queria imitá-lo nas roupas, no cigarro, nos trejeitos e atitudes. Só pra se ter um idéia, Dean morreu duas semanas antes de Juventude Transviada estrear nos Estados Unidos, o que explica em parte a criação do mito. Nascido com nome de poeta, James Byron Dean era muito sensível, carente, volúvel e talentoso. Mas o culto que se fez da figura dele é, até hoje, motivo de pesquisa, artigos e reflexões sobre a indústria cultural. Dean, ao lado de Elvis Presley e Marilyn Monroe, compõe a "santíssima trindade" da cultura pop norte-americana do pós-guerra.

Dean se recusava a ser uma urso amestrado no circo de Hollywood. De um lado, inspirava-se em Marlon Brando, que detestava convenções e, de outro lado, em Montgomery Clift, um ator tanto brilhante quanto desajustado. Embora o ator Dane DeHaan (puxa, que nome!) não seja muito parecido com Dean, sua postura corporal passa uma coisa verdadeira: a melancolia de Dean e sua falta de paciência de enquadrar-se ao sistema. O filme tem o mérito de mostrar um pouco como são os bastidores de uma grande indústria do cinema e o preço que se paga para ser um "big star". Tudo indica que, mesmo que não tivesse morrido cedo e tragicamente, Dean não estava disposto a pagar tal preço. Embora seja uma conjectura, os fãs preferem crer que o ídolo não estava disposto a vender sua alma nem aceitar passivamente ser domesticado pelo establishment.