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sábado, 3 de novembro de 2018

Uma névoa espessa de suspeita

O juiz Sergio Moro anunciou que aceita o cargo de Ministro da Justiça no governo Bolsonaro. Tomara que dê certo! Só que esse ato possui vários significados, nem  todos positivos. É claro que em um primeiro momento, o senso comum aplaude e a população reage de maneira positiva. Afinal, o homem que é o símbolo do combate à corrupção vai ser ministro da justiça de um país que convive com propinas, conchavos e favores há séculos (os sermões do Padre Antonio Vieira dão testemunho). 

Um dos pontos negativos é que recai uma forte suspeita sobre a parcialidade do Magistrado, que é o juiz titular da Operação Lava Jato. A aceitação do convite fornece munição àqueles que acusam Moro de partidarismo, cujo cargo que ocupa exige isenção e imparcialidade. Não sou filiado ao PT e tenho sérias críticas à sigla, mas agora tenho que concordar que Moro tirou a máscara. Um juiz abandonar a carreira é um fato que causa perplexidade, pois a magistratura, além de ser uma vocação, é uma das funções mais nobres de um Estado de Direito. A carreira de Magistrado possui as garantias constitucionais de inamovibilidade, vitaliciedade e irredutibilidade de vencimentos justamente para que o juiz exerça sua função com isenção e imparcialidade (CF, art. 95). Outro significado é que, além de Sérgio Moro abandonar a carreira com um trabalho não concluído, e um dos processos penais simbolicamente mais relevantes da história do Brasil, na prática, a Lava Jato pode terminar no momento em que o PT é definitivamente alijado do Poder Executivo federal, a significar que a Operação tinha réus pré-definidos e objetivo certo: afastar Lula da disputa eleitoral.

Ao tomar partido e escolher o lado de Bolsonaro (mesmo com boas intenções), logo após o pleito eleitoral, quando o TSE ainda estava tirando as urnas quentes das tomadas, Sergio Moro revela falta de isenção. Ora, pode-se perguntar, quais fatos seriam reveladores da parcialidade do Magistrado? Eis alguns: 1) de forma desnecessária (uma vez que Lula não opôs resistência), determinou a condução coercitiva do ex-presidente para depor, ao invés de intimá-lo a comparecer; 2) entregou ao Jornal Nacional gravações (conversa de Lula com Dilma) que, pela lei das interceptações, deveria destruir ou manter sob sigilo, com a óbvia intenção de criar comoção popular a impedir a nomeação de Lula como Ministro; e 3) levantou o sigilo da delação premiada de Palocci, às vésperas da eleição, com clara intenção de influir no processo eleitoral. Ao aceitar o convite para ser Ministro da Justiça de forma tão rápida, fica a impressão de que um dos principais objetivos da Lava Jato era afastar Lula da disputa eleitoral. Agora, que as eleições terminaram, Moro pode tirar a máscara e revelar seu partidarismo.  

No Brasil e no exterior a nomeação foi vista com estranheza pelos meios de comunicação. O Financial Times, do Reino Unido, estampou: "Bolsonaro nomeia juiz que ajudou a prender Lula". O editorial do Estadão, disse que ao escolher Moro para ministro, Bolsonaro foi coerente com seu discurso, mas lembrou que "o juiz Sergio Moro sempre se apresentou, ao longo de sua trajetória na Lava Jato, como um magistrado orgulhoso de seu distanciamento do mundo político. Em 2016, Moro chegou a dizer, em entrevista ao Estado, que não tinha a menor intenção de entrar para a política". E afirmou ter faltado sabedoria à decisão, uma vez que a Lava Jato, "que já tinha assumido traços nitidamente políticos em razão da ação militante de alguns de seus procuradores", acabou por extrapolar dos seus limites e objetivos ao criminalizar a política, o que "abriu caminho para a ascensão de Jair Bolsonaro".  

A influência de Sergio Moro nas eleições de 2018 é de uma clareza solar. Conforme escreveu Bruno Boghossian (Folha de São Paulo), "embora não fosse um jogador inscrito no torneio, o futuro ministro da Justiça reconfigurou o tabuleiro da eleição". Sim, pois coordenou as delações premiadas, autorizou interceptações telefônicas, julgou as ações penais que culminaram na condenação de políticos e mandou prender o candidato que liderava as pesquisas. Para o ex-ministro do STF, Carlos Ayres Britto, a decisão do juiz Moro, de "pedir exoneração e já se transportar, com mala e bagagens para um cargo do Poder Executivo", compromete a "boa imagem social do próprio Judiciário", pois a movimentação não combina com o princípio da separação dos poderes (CF, art. 2º). Além da excepcionalidade da migração, a transformação de Moro de juiz titular da  13ª Vara Federal de Curitiba a futuro ministro ocorreu numa velocidade muito rápida. Moro renuncia à carreira de magistrado para ser um subordinado de Bolsonaro. Como um Juiz Federal pode ser ministro de um presidente que é contra a liberdade de imprensa, elogia torturador e despreza os direitos humanos?

Segundo Bruno Boghossian, "Moro tenta pegar um atalho para evitar a repetição do que ocorreu com a Operação Mãos Limpas. Estudiosos do caso italiano dizem que a corrupção sobreviveu porque políticos eleitos na esteira das investigações minaram os mecanismos de combate ao crime. No centro do poder, o juiz quer blindar a Lava Jato". Sim, parece ser esse o objetivo do agora ex-juiz Sergio Moro, não permitir que "sua obra" (mais de 100 condenações de empresários, lobistas, doleiros, políticos e executivos da Petrobrás) seja destruída.  
  
A hipótese tem fundamento. Mas a suspeição irá pairar e reverberar nos livros de história. Como diz o ditado, não basta à mulher de César ser honesta, ela precisa parecer honesta. Sergio Moro já havia dado sinais de partidarismo político quando, em um evento patrocinado em 2016, foi flagrado em cochichos com Aécio Neves, então investigado no Supremo Tribunal Federal. E ele já havia dado sinais de sua imensa vaidade quando aceitou posar (de smoking) de salvador da Pátria e aceitar prêmios por um trabalho para o qual era muito bem pago pelo Estado. Ele era um servidor público. Nos últimos tempos, de tantos convescotes e eventos sociais aos quais era convidado, parece que a fama já havia engolido o juiz. Esperamos que a vaidade não engula o futuro ministro e ele possa exercer um ótimo trabalho, de modo a dissipar essa névoa espessa de suspeita que paira sobre a sua cabeça.   

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