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segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Querida Kombini


Keiko Furukura é uma funcionária extremamente zelosa de uma kombini (loja de conveniências do Japão), treinada para servir, repor os produtos nas prateleiras e sorrir para os clientes. Mas nem sempre foi assim. Desde pequena, era uma criança que não se encaixava na sociedade, interpretava as ordens recebidas de forma literal e não compreendia o mundo (hipócrita), com suas regras não escritas. Ela, por sua vez, também nunca foi compreendida. Com 18 anos, Furukura arruma um emprego temporário em uma loja de conveniências e, finalmente, encontra seu lugar no mundo. Lá, em meio às regras impostas aos funcionários, às promoções do dia e aos produtos perecíveis, ela se sente parte de uma engrenagem. Passados 18 anos (e 7 gerentes), ela continua a trabalhar na mesma loja e na mesma função, só que agora ela já está com 36 anos e continua solteira, não sendo bem vista pela família, pelos amigos e pela sociedade. Querida Kombini, Sayaka Murata, Estação Liberdade, 148 páginas, é um romance japonês que nos faz questionar o mundo em que vivemos. Narrado em primeira pessoa, o livro nos captura desde o começo, apesar do estreitos horizontes da protagonista, cuja rotina consiste basicamente em ir de casa para o trabalho. Algumas páginas simplesmente nos deixam em absoluto estado de perplexidade. O livro nos remete à visão de uma sociedade com "caixinhas" onde ninguém pode sair do seu quadrado, sob pena de de ser taxado de esquisito ou "fora da casinha". O que é, afinal, normal? O romance também nos faz pensar sobre como somos condicionados a corresponder, desde tenra idade, às expectativas dos outros (pai, mãe, escola, amigos) e a seguir uma vida padrão (formar-se em uma faculdade, arranjar um emprego decente, casar, ter filhos etc.), como se essa fosse a única via; o molde único de uma vida normal e aceitável. Por outro lado, o leitor também é instado a pensar na solidão, na corrosão das relações sociais e na falta de afeto e diálogo nesse mundo pós-moderno e tecnológico. Daí talvez o porquê de certas pessoas precisarem de uma rotina para não se perderem, de horas extras para não terem que se defrontar com o vazio. No caos organizado de uma capital qualquer do globo, como Tóquio, Nova York ou São Paulo, onde "the city never sleeps", é mais fácil achar uma loja de conveniências aberta a qualquer hora do dia ou da noite, do que um bom ouvinte, um ombro amigo, uma face humana.

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