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terça-feira, 29 de agosto de 2023

Federer

Tênis é um jogo mental. Embora o esporte demande força no punho, resistência para longos ralys, agilidade nos pés e flexibilidade para alcançar bolas bem colocadas, para ser um top 10 da ATP, o tênis exige, sobretudo, controle mental. Isso foi o que me atraiu no Roger Federer: sua frieza nas partidas  de grand slam, sua concentração nos pontos decisivos e sua capacidade de se recuperar de um game ou set perdidos. Mas nem sempre foi assim... No livro Federer: o homem que mudou o esporte/Christopher Clarey; tradução Cássia Zanon...[et al.] - 1.ed - Rio de Janeiro: Intrínseca, 2021, o autor nos conta que o jovem Federer era um rapaz nervoso, irrequieto e explosivo; desses que escutava música alta de péssima qualidade e quebrava a raquete quando perdia. Acredite se quiser.

Mas não é só o controle emocional que faz com que Federer seja o tenista mais querido no Brasil e em outros países. É que, além da diplomacia, da elegância e da capacidade de não se meter em confusões, ele tem uma vulnerabilidade que é perceptível aos olhos do público. Ele não é tão forte e musculoso como Nadal, nem tão elástico e flexível como Djokovic, mas ele tem um carisma que a todos encanta. Federer aprendeu, com o tempo, a ser humilde; aprendeu a vencer e a perder. Ele aprendeu que o resultado nem sempre é justo, e isso é do jogo. Ele sabe vencer sem tripudiar sobre o adversário e perder sem ficar chorando ou culpando os outros ou a si mesmo. 

Outro fator determinante para atrair o gosto do público é o fato de Federer ter uma inteligência social incrível. Ele não só gosta de conversar com as pessoas, como ele se interessa e faz perguntas, seja conversando com o pegador de bolas em Wimblendon, seja com os jornalistas ou os tenistas vencedores mais velhos, como Borg. Ele é gentil com todos. É poliglota, atende aos repórteres, dá autógrafos, brinca com os boleiros e com as pessoas ao redor. Os amigos entregam que Roger tem uma personalidade de brincalhão. Mesmo adulto, ele gosta de pregar peças em seus amigos para dar risada. Essa leveza e espontaneidade é algo raro num ambiente tão competitivo. Ao contrário de outros tenistas, que buscam o isolamento para se concentrarem, Federer se alimenta do contato social. Ele é um ser gregário e gosta de interações sociais, de modo que conversas o deixam relaxado.

O livro tem o mérito de mostrar mais ou menos como foi a adolescência de Federer, quando os pais o deixaram escolher o esporte que queria seguir na vida. Roger adorava jogar futebol (assim como Nadal), mas escolheu o tênis por ser um esporte em que o sucesso ou o fracasso somente dependeria dele, de ninguém mais. O biógrafo também conta algumas histórias que apontam para a personalidade do biografado. Como esta: "Federer enfrentou ceticismo quase imediatamente após sua decisão de deixar a escola. Quando visitou seu dentista na Basileia, a conversa começou, como muitas conversas com dentistas começam, no meio de uma limpeza. 'Ele estava mexendo na minha boca e falando': 'O que você vai fazer agora ?' E eu respondi: 'Vou jogar tênis', lembrou Federer. E ele: 'Certo, e o que mais?' E eu: 'Só isso'. Então ele olhou para mim e disse: 'Só isso!? Só tênis!?'". Federer mudou de dentista. "Nunca mais voltei, porque senti que ele não estava entendendo o que eu queria fazer", disse-me Federer. "Eu estava perseguindo um sonho. Estava tentando mirar nas estrelas, e ele ficava me puxando de volta. E sabe de uma coisa? Não quero me cercar de gente assim".

Duas décadas depois desse episódio, os números de Federer são impressionantes: 103 títulos; 20 títulos de grand slam, tendo sido 8 vezes campeão de Wimblendon. 237 semanas seguidas em 1º lugar no ranking. O livro também retrata as rivalidades: Federer x Lleyton Hewit (seu primeiro grande rival); Federer x Nadal (o homem mais intenso no tênis) e Federer x Djokovic (o homem mais elástico do tênis). Aliás, há um capítulo inteiro sobre Rafael Nadal. Nesse passo, o jogo suave de Federer permitiu uma longa carreira sem muitas lesões, já o jogo intenso e bruto de Nadal lhe deixou muitas lesões, ocasionando hiatos em sua carreira. Mas é a rivalidade que o público mais lembra: Federer x Nadal, sendo que o ápice do duelo entre os dois ocorreu no torneio de Wimblendon em 2008.

Federer & Mirka. Esse é um capítulo que vale a pena. Federer conheceu sua futura esposa nas Olimpíadas de Sidney, em 2000, quando se conheceram em uma festa e ficaram juntos pela primeira vez. De volta a Suíça, começaram a namorar. Mirka, também uma tenista profissional, teve que abandonar precocemente o tênis, aos 24 anos, devido a uma lesão no calcanhar. Por volta dessa época, ela já sabia do enorme potencial de Federer e começou a ajudá-lo nas coisas práticas do dia a dia, como reservar hotéis, aviões, ajudar a planejar as viagens do circuito, falar com a imprensa etc. Deu muito certo! Com sua personalidade forte e seu pragmatismo, Mirka ajudou enormemente a carreira do marido. Como disse um dos inúmeros entrevistados no livro, Federer deve 50% de sua carreira à Mirka, porque ela administra muita coisa, de modo que Roger só precise se preocupar em treinar e ganhar troféus. O engraçado é que, quando Federer tinha 19 anos e estava começando a namorar Mirka, com 22, seus amigos o aconselharam terminar o namoro, com a conversa de que ela era mais velha e logo iria querer casar, ao passo que seria bom para Federer continuar solteiro. Federer não escutou os seus amigos. Como disse um deles, anos depois, Federer fez a coisa certa! É de se notar que Mirka já era namorada firme de Federer antes de ele se tornar um astro do tênis e conquistar seu primeiro título em Wimblendon. Isso ajudou muito! Federer é um cara que gosta de estabilidade e tranquilidade para treinar e participar do torneios. No fundo, ela foi um dos segredos bem guardados para a incrível longevidade da carreira de Federer. "Mirka, que não fazia o papel de esposa-troféu, sabia o que era necessário para que o marido continuasse ganhando torneios", diz o autor. 

Alguns discordam, dizendo que o cara mais importante na carreira de Federer foi Pierre Paganini, o seu preparador físico e conselheiro espiritual, que o ensinou a fazer exercícios na medida certa, sem excessos, deixando mais tempo o atleta na quadra de tênis do que na sala de musculação ou na pista de corrida, livrando Federer de muitas lesões desnecessárias ao longo da carreira. Outros diriam que o elemento mais importante foram os pais de Federer, que educaram o filho com liberdade e senso de responsabilidade. Outros diriam que foi Peter Carter, seu primeiro treinador. Outros diriam que foi o psicólogo Christian Marcolli que o ajudou na época do juvenil a ter menos explosões e ter mais controle emocional. Seja como for, todas essas pessoas tiveram um influência capital na carreira do maior campeão de Wimblendon.

Outro ponto positivo do livro foi mostrar a família Federer unida rodando o mundo. Roger e Mirka casaram-se em 2009, mesmo ano em que Mirka deu à luz duas filhas gêmeas. O aumento da família não foi um obstáculo ao tênis. Ambos sabiam que Roger não poderia parar de jogar estando no topo e no auge da carreira. Mirka sempre foi pragmática, Roger adorava jogar tênis e o dinheiro sempre pode facilitar as coisas. Desse modo, contando com jatos particulares, um elenco rotativo de babás e reservas em hotéis centrais e bem localizados, o casal deu um jeito de toda a família (com mais um casal de gêmeos nascidos em 2014!) acompanhar Federer no circuito internacional de tênis, desde o Aberto da Austrália até o US Open. A família Federer, feliz, rodando o mundo, com Roger vencendo torneios com seus movimentos suaves. Essa é a imagem que fica. Assim parece fácil jogar tênis nesse nível. Mas não é. Daí porque tanta gente gosta dele. Entendeu? "Roger that".

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