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domingo, 15 de outubro de 2023

Seca histórica e fumaça em Manaus e no Rio Negro


De longe parece neblina, mas é fumaça. Os olhos ficam irritados, a garganta seca e começa-se a tossir. Não se enxerga o horizonte. (Que triste metáfora...) Há centenas de focos de incêndio na floresta amazônica. Parece filme de ficção, mas é a realidade. Uma espessa fumaça cobriu Manaus e grande parte do estado do Amazonas. A fumaça é resultante de queimadas.  Como não há fiscalização suficiente, a população sofre e os hospitais ficam cheios. O governo estadual e federal demoram a tomar providências. Há um total descaso com a população manauara.

Manaus é uma sauna úmida. Mas agora virou uma sauna seca. O termômetro chega a 40ºC facilmente. Quem não está acostumado, passa mal. A sensação térmica, porém, é mais alta, seja no tempo de chuva (primeiro semestre) ou seca (segundo semestre). Até aí tudo bem, desde que se repetisse os ciclos de secas e chuvas regularmente em um planeta saudável. Mas não é o caso. Com as mudanças climáticas, tudo está mudando rapidamente. A seca e o calor estão mais intensos! Para piorar, tem gente que põe fogo na mata de forma deliberada. Com a fumaça na capital Manaus, a vida ficou mais difícil. Na verdade, a situação ficou fora de controle e as autoridades demoraram para agir. O cheiro da fumaça fica impregnado nas roupas, nas casas e no nariz. As aulas da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) chegaram a ser suspensas.
 
A Amazônia sofreu este ano de 2023 a maior seca da sua história (pior que a seca de 2010), já sendo considerada a pior dos últimos 100 anos. Alguns rios baixaram 14 metros do seu volume; os jornais noticiaram a mortandade de botos e peixes devido à água muito quente dos rios e afluentes (por volta de 40º C em alguns pontos). A seca deste ano foi causada pelas mudanças climáticas e pelo El Nino (fenômeno climático causado pelo aquecimento das águas do Oceano Pacífico), que impacta o Brasil de diferentes formas. Na Amazônia, o El Nino provoca uma seca mais prolongada e pronunciada.

Uma coisa é a seca histórica, que causa enormes prejuízos econômicos e sociais para o estado do Amazonas. Outra coisa são as queimadas e a fumaça delas resultante, que cobriram Manaus, o Rio Negro e adjacências. O desmatamento desenfreado dos últimos anos, aliado à seca extrema, deixou a floresta mais frágil e suscetível a incêndios. A população está sofrendo doenças respiratórias gravíssimas. Além disso, a fumaça prejudica o trabalho, o comércio, as escolas, o turismo, tudo enfim. Por incrível que pareça, nesse mês de outubro de 23, a qualidade do ar está pior em Manaus do que em São Paulo.

Durante nossa estadia, saíamos de máscara para visitar os pontos turísticos. Lemos nos jornais que Manaus registrou a segunda pior qualidade do ar do mundo, em outubro de 2023. Mas como isso aconteceu? Em decorrência das queimadas legais e ilegais. A tripulação do navio nos contou que essa fumaça vinha das queimadas feitas por pequenos produtores à guisa de preparar a terra para o plantio. Mas era somente isso, pois é muita fumaça. Então, conversando e pesquisando sobre o assunto, descobrimos que o fogo salta e se espalha para áreas maiores. Descobrimos que muitos incêndios criminosos também ocorreram. É sempre assim. No Brasil não faltam os aproveitadores. 

Numa sociedade capitalista como a que estamos inseridos, muitas vezes as notícias sobre a seca surgem não pelos efeitos maléficos que geram nas pessoas, mas pelos efeitos que causam sobre a economia. A lógica do mercado não tem coração. O estado do Amazonas, apesar da exuberância da floresta, sempre foi um estado economicamente pobre se comparado a outros estados da federação. Ficou conhecido e surgiu para o Brasil e o mundo no ciclo da borracha (1890-1920). Terminado o ciclo, porém, o estado passou a viver basicamente da pesca e do turismo. O que fazer? Como incrementar a economia do estado do Amazonas? 

O Poder Público criou a Zona Franca de Manaus, que é essencial para a economia do estado, atraindo fábricas a um custo de produção mais baixo, graças a incentivos fiscais. Em Manaus, por exemplo, encontram-se sediadas as fábricas de motos da Honda e da Yamaha. Pois é... Atualmente, porém, a seca histórica no Amazonas ameaça parar fábricas do polo industrial de Manaus, onde está concentrada a produção nacional de eletrodomésticos, aparelhos eletrônicos e motocicletas. As condições do transporte de cargas pelo rio Amazonas e seus afluentes pioraram drasticamente nos últimos dias, provocando atrasos na entrega de materiais, assim como um acúmulo de produtos acabados nos estoques das fábricas.  As maiores embarcações não conseguem mais acessar o porto de Manaus devido à redução do nível de água em trechos críticos para abaixo da profundidade mínima necessária para a passagem com segurança dos navios de grande calado. Buscam-se alternativas que aumentam o custo do transporte. No final, todo mundo paga a conta. 

Por outro lado, até a Zona Franca de Manaus é polêmica e discutível, pois levam-se os insumos todos para a região de Manaus, lá se montam as geladeiras, celulares, eletrodomésticos e motocicletas nas fábricas e depois tem que distribuir essas mercadorias para todo o Brasil, principalmente para o Sudeste. Isso tem um altíssimo custo. A logística não faz sentido. É uma coisa burra! Deveriam inventar um outro jeito de alavancar a economia do estado do Amazonas. A Floresta em pé e a pesquisa científica dariam maior rentabilidade ao estado e seria economicamente sustentável. Preservar a floresta e atrair pesquisa e turismo do mundo inteiro seria muito melhor do que queimar a floresta para criar pasto para o gado. Estamos fazendo tudo errado. Segundo o pesquisador Carlos Nobre, o desmatamento está avançando tão rapidamente, que estamos chegando perto do ponto de não retorno, isto é, a um ponto em que, depois de derrubada grande parte da floresta, não dará mais para recuperar a área degradada e reflorestar, pois o solo amazônico é arenoso. A Amazônia corre o risco de virar uma savana. 

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